Opinião: A Cartada da Luta de Classes


Em São Jorge, Açores, o candidato à Assembleia da República pelo CDS-PP, Paulo Portas, apelou a um “contrato social” entre patrões (subtilmente chamados de empregadores) e trabalhadores, em que o crescimento dos salários estaria directamente ligado à produtividade. A produtividade de que fala Portas está ligada com um aspecto principal: gastos dos patrões com o Trabalho. É um conceito de produtividade bastante simples: quem trabalha por menos dinheiro à hora é mais produtivo (e competitivo). Portas pretende portanto que os trabalhadores se comprometam a trabalhar mais por menos dinheiro (sob a longínqua proposta de um dia virem a ser compensados pela sua “produtividade”). Dão sempre o exemplo alemão, e de onde vem a extrema produtividade da Alemanha? De um facto simplicíssimo e oculto do conhecimento público: Os salários estão virtualmente congelados na Alemanha há 10(!) anos! Enquanto não forem recompensados pela sua “produtividade”, aos trabalhadores portugueses será exigido, de acordo com este contrato corporativista proposto pelo líder do CDS, que abdiquem de todos os direitos laborais e sociais conquistados.


Depois, veio a cereja: “É precisa uma aliança para bem de Portugal onde todos saibam contribuir para nos tirar deste atoleiro, e isso consegue-se com um compromisso social entre empregadores e trabalhadores e não com uma luta de classes onde ganha sempre o mais forte”.
O bem de Portugal de que fala Paulo Portas é o bem de uma classe, ponto. Essa é a classe dominante. É o bem da classe que encomendou a entrada do FMI, porque esta permitiu-lhe uma tempestade política onde se impôs como inevitável tudo o que antes era simplesmente inaceitável: a destruição total dos sistemas que permitem alguma segurança e apoio em épocas de dificuldade à classe trabalhadora – Segurança Social, Sistema Nacional de Saúde, monopólios naturais que estão na mão do Estado, direito a ter direitos.
Para Paulo Portas, a classe dominante É Portugal. O resto, é maralha… Que deve, TEM de se sujeitar. Um verdadeiro nacionalista.
O atoleiro, criado pela classe dominante, tem de ser pago pela classe dominada. O compromisso social entre patrões e trabalhadores de que fala é uma rendição. Os patrões querem a rendição dos trabalhadores e Paulo Portas é o seu porta-voz do dia.
Já em 2006 o multimilionário americano Warren Buffet se havia comprazido com a seguinte declaração “Há guerra de classes, com certeza, mas é a minha classe, a classe rica, que faz a guerra, e estamos a ganhar”. Como Warren Buffet fez em 2006, Portas acaba com a declaração de que nesta luta de classes “ganha sempre o mais forte”. Como tal, seguindo o raciocínio de Portas, nada há a fazer. Mais um príncipe no reino das inevitabilidades.

A hipótese alternativa, que seguramente muitos dos seus apoiantes defenderão, é a de que Paulo Portas é da classe que não ganha. Que esta é uma declaração de Portas em que ele se auto-propõe como paladino, tribuno do povo, da classe que sempre é esmagada por aqueles que sempre ganham por serem mais fortes. E que forçará a classe que “ganha sempre” a um contrato com a classe que perde sempre. No entanto, TODAS as medidas que Paulo Portas propõe, que foram escritas pelo Banco Central Europeu, pela Comissão Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional, vão contra esta hipótese absurda. A “troika” lidera esta luta de classes e o seu único objectivo é garantir que a classe mais forte, que ganha sempre, continue a ganhar, fortalecendo-a com a exploração dos trabalhadores. Esse é o mesmo objectivo do CDS-PP.

O Contrato Social de que Portas falou é mais um par de grilhetas, de que os dois últimos séculos se vinham tentando libertar, contra uma reacção feroz à noção de que todas as pessoas podem ter direitos iguais. O que Portas propõe, este “Falso Recibo Verde” Social, é a precariedade como única forma de trabalho, a sujeição à vontade de uma classe patronal mal-preparada e ignorante, a aceitação de que a vida tem de ser pior, de que de algum modo merecemos a miséria que nos apresentam, de que de algum modo temos de aceitar que somos inferiores e que portanto temos de servir os nossos “superiores”, a derrota da esperança, a resignação, a recessão económica, a recessão mental.

Que não hajam dúvidas que no campo de batalha que é neste momento o nosso país estão, em lados opostos, as classes sociais: há um antagonismo directo entre os desejos da classe dominante portuguesa e as necessidades da classe trabalhadora. A classe dominante portuguesa deseja esmagar a força da classe trabalhadora. Exige que se ajoelhe. Depois, fá-la-á rastejar. Procurará fazê-lo, numa primeira fase subtilmente (embora esta tentativa de Paulo Portas não tenha sido particularmente subtil), depois, será brutal. A classe dominante tentará convencer os trabalhadores de que é absolutamente necessário vergar-se. O CDS-PP procura, à boleia da “troika”, e com o patrocínio absoluto de uma comunicação – que de social só tem nome – fazer este trabalho de s
apa. Com a sua capacidade de populismo e de dividir a “maralha”, Paulo Portas procura cativar as pessoas a votarem contra si mesmas, contra uma vida digna, contra a sua classe. 


Talvez, como se diz do diabo, o maior truque da luta de classes tenha sido convencer-nos de que não existia. Obrigado, Paulinho da feiras, por nos recordares da realidade.



João Camargo



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