Opinião: Portas quer uma casa portuguesa, concerteza!
Depois dos comentários provocatórios e incendiários de Passos Coelho na Universidade de Verão do PSD, hoje foi a vez de Portas, o parceiro de coligação do Primeiro-Ministro, vir a público deixar mais considerações sobre as movimentações sociais que se avizinham. Distanciando-se da imponderação de Passos Coelho, que tenta intimidar o movimento social acusando-o antecipadamente de querer “trazer o tumulto para as ruas do país” e de querer “incendiar as ruas e ajudar a queimar Portugal”, o líder do CDS aposta como de costume na carta demagógica para dissuadir as pessoas de reclamarem o direito à dignidade.
Nas jornadas parlamentares do CDS-PP, Paulo Portas afirmou que uma onda de greves sistemáticas empobrecerá o país, e que os próximos dois anos implicam esforços e austeridade. As medidas aprovadas pelo Governo PSD-CDS segundo qualquer perspectiva (inclusivamente a do próprio Governo e da Troika), empobrecerão o país e promoverão o enriquecimento ilícito de uma pequeníssima franja da população, que vai surfando a onda da crise. Resta saber se sobrará algo do país quando cessar este mandato. As manifestações e as greves são das poucas esperanças que o país tem para sair deste atoleiro ultraliberal.
Reforçando a ideia de que em Portugal não há manifestações porque os portugueses são estóicos e aguentam o embate com orgulho na pobreza, Portas frisou uma fantasia absoluta, a de que no país “O diálogo com os parceiros sociais democráticos, sejam os representantes dos empregadores, sejam os representantes dos trabalhadores, é outra especificidade que Portugal deve cultivar, porque não sucede em todos os países que estão a atravessar dificuldades”. Em Portugal as “concertações sociais” são uma farsa onde apenas se tentam impor aos representantes dos trabalhadores as decisões dos patrões, que invariavelmente dominam os governos. Tal tem resultado no frequente abandono das pseudo-negociações pelos representantes dos trabalhadores, seguidos de declarações vitoriosas por parte dos governos, que promulgam os “consensos” alcançados com os patrões. O facto de as gravosas medidas de austeridade deste governo terem começado a ser impostas na “silly season” não foi inocente e será a primeira e mais importante razão pela qual a contestação séria às mesmas ainda não ter começado. A previsão de inúmeras manifestações, que brotam como cogumelos entre a desilusão e a revolta de ver tudo aquilo que se construiu com a contribuição de todos aqueles que vivem do seu trabalho ser destruído é o resultado óbvio e prova inequívoca de alguma sanidade mental por parte do povo.
E um dia, no futuro…
Mais uma vez, Portas promete para um futuro longínquo, numa segunda fase da legislatura, “crescimento económico, ambiente favorável ao investimento, criação de emprego e de oportunidades”. Para os primeiros anos, Portas pede uma atitude resignada e estóica, em que os portugueses devem reassumir a atitude da casa portuguesa do tempo de Salazar, onde imperava a alegria da pobreza. Mas o que diz a letra da música é que a alegria é de DAR e ficar contente, não de ser roubado e ficar contente. É curioso saber, no meio de anúncios de recessão mundial, que Portas sabe que o futuro é risonho e que se criarão as centenas de milhares de postos de trabalho que neste momento o seu governo destrói activamente. O ambiente favorável ao investimento será semelhante àquele criado pelas intervenções do FMI em África, e por ambiente favorável ao investimento entendamos saque – dos recursos naturais, dos monopólios estratégicos, dos serviços básicos de saúde, educação, cultura. Mas a melhor oportunidade para os investidores tem sido claramente patrocinar uma ideologia económica extremista como é o neoliberalismo – o investimento é baixo, os retornos não só seguros como altíssimos. Nunca uma crise gerou tanto para tão poucos.
Há uma “cultura permanente de patriotismo e responsabilidade” do governo, diz. O patriotismo a que se refere é muito curioso, uma vez que Passos Coelho acaba de ir a Berlim dizer “não” a uma das poucas iniciativas europeias que poderia beneficiar o país, a criação de eurobonds – mas a fotografia com a Chanceller Merkel ficou genial!
Despesismo e Dívida?
Aludindo ao PS, refere que “Quando é o país que está em causa, a salvaguarda da sua viabilidade económica, financeira e social, quem no essencial nos trouxe a esta situação deve ter a humildade de ajudar a a sair dela” e que “na condição de principal partido da oposição está na oposição exactamente por ter sido responsabilizado pelos eleitores pelo desregramento na despesa e na dívida que nos obrigaram à situação vexatória de ter de pedir emprestado dinheiro para sobreviver”. Em nenhum momento se pretende isentar o PS das suas responsabilidade nesta crise, mas não é o único responsável. No essencial, a troika nacional (PS, PSD e CDS) está unida neste processo que não é recente de destruir as estruturas sociais e de promover a alternância entre emprego precário e mal pago e desemprego, que tem levado a esta gravíssima situação económica e social. Quanto ao desregramento da despesa e da dívida, Portas esquece-se de referir os milhares de milhões de euros utilizados pelo Estado para salvar o sistema financeiro português, nomeadamente a sua banca. Esquece-se portanto que o principal desregramento e causa da dívida que houve foi utilizar dinheiros públicos para salvar um sistema privado totalmente irresponsável e habituado a depender do Estado para sobreviver.
Uma actualização à música faz neste momento todo o sentido, e se Portas pretende que “A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar e ficar contente” e “Basta pouco poucochinho para alegrar uma existência singela”, o problema agora é que:
Não há paredes caiadas porque já não se produz cal
O cacho de uvas doiradas ficou na vinha e apodreceu, porque se pagou para não produzir
Pão, vinho e caldo verde, verdinho ainda há, mas a mesa foi penhorada pelo banco
O amor já nem apetece com tanta injustiça
E o sol da primavera parece que vai ser privatizado.
Portanto, esperem-nos nas ruas.
João Camargo
Notícia Expresso: http://aeiou.expresso.pt/onda-de-greves-sistematicas-tornara-pais-mais-pobre-alerta-portas=f672101
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