Reunião Euro-mediterrânica das Campanhas de Auditoria da Dívida – ICAN
Via Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida
A apresentação das dramáticas situações sociais e económicas na Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha dominaram o início dos trabalhos, havendo um grande espírito de solidariedade entre todos os presentes para com os países que vêm sendo esmagados pela Troika e pelos governos tecnocratas ultra-liberais. Está já bem presente entre os representantes dos outros países que o futuro que os aguarda na ausência de respostas colectivas e internacionais é semelhante, estando o Sul da Europa a servir de laboratório para as experiências do liberalismo selvagem. Contrastando com esta situação algo lúgubre, os activistas do Norte de África – estavam representados o Egipto e a Tunísia – apresentavam um optimismo latente e contagiante, decorrentes da sua participação iminente num processo revolucionário que, tendo começado nas Primaveras Árabes do ano passado, hoje os leva à confiança de que é possível construir uma sociedade justa e digna, e para tal a percepção clara dos processos de endividamento do Estado poderá permitir-lhes evoluir num trilho bastante mais seguro e benéfico para as populações.
Estabeleceu-se uma nova rede, a ICAN – International Citizen’s Audit Network(Rede Internacional de Auditorias Cidadãs), que procurará manter a informação sobre o desenvolvimento da situação dos países e das auditorias, em circulação acessível num site comum. Identificaram-se além disso alguns pontos de possível acção conjunta e de promoção de iniciativas euro-mediterrânicas contra a austeridade e a chantagem da dívida – tendo sido destacadas as datas do 1.º de Maio (Dia do Trabalhador), 12 e 15 de Maio (manifestações globais promovidas essencialmente pelos movimentos Occupy e Indignados), assim como 16 a 19 de Maio, quando ocorrerá a reunião do Banco Central Europeu em Frankfurt, para a qual estão planeadas manifestações de protesto. Foi ainda proposto um Dia de Acção Global contra a Austeridade e a Dívida, provavelmente durante a Semana de Acção Global contra a Dívida e as Instituições Financeiras Internacionais, de 8 a 15 de Outubro.
Estiveram representados nesta reunião a Alemanha, Bélgica, Egipto, Espanha, França, Grécia, Itália, Irlanda, Polónia, Portugal, Tunísia, e Reino Unido.
A constituição da ICAN é um passo na criação da resposta cidadã e democrática à crise da austeridade, com o objectivo de levar a cabo a necessária exposição pública da realidade das dívidas e processos de endividamento dos estados, da qual deve decorrer a criação clara de uma alternativa política e económica à austeridade que vem aprofundando as crises e já destrói a própria democracia nas sociedades atingidas.
Breve resumo das apresentações das auditorias levadas a cabo nos outros países:
Alemanha: Sem ter ainda avançado com o processo, e num clima mediático de culpabilização dos países «devedores», os activistas contra a austeridade e a dívida apresentam a perspectiva importante de poderem cancelar as dívidas enquanto credores, reconhecendo a ilegitimidade detectada nos processos de endividamento. Estão organizar as mobilizações contra a reunião do Banco Central Europeu de 16 a 19 de Maio.
Bélgica: Activistas da ATTAC, CADTM e Vie Fémenine estão a organizar uma campanha contra o resgate pelo Estado de vários bancos belgas, nomeadamente o Dexia (que já foi resgatado duas vezes). Neste momento puseram o Estado em tribunal por causa destes resgates, tendo conseguido envolver alguns parlamentares no processo.
Egipto: Em coordenação com organizações da Alemanha, França e Reino Unido, a iniciativa no Egipto elenca entre os seus objectivos a suspensão do pagamento da dívida, contra a opinião do governo actualmente no poder, que está a assumir as dívidas contraídas pelo governo de Mubarak. Estão neste momento a organizar uma petição massiva para enviar ao Parlamento Europeu para suspender a dívida.
Espanha: A iniciativa começou a ganhar forma em Outubro de 2011, mas só em Março de 2012 se constitui a Plataforma de Auditoria Cidadã à Dívida Não Devemos, Não Pagamos. Tem entre os seus objectivos a exigência de poder decidir democraticamente e soberanamente que fazer em relação à questão da dívida, sem a ingerência dos mercados financeiros, da Comissão Europeia, BCE e FMI. Também pretende auditar o papel do Estado espanhol enquanto credor de países do Sul.
França: O Colectivo por uma Auditoria Cidadã da Dívida Pública (Collectif pour un audit citoyen de la dette publique) conta já com 120 grupos locais, que estão a recolher informação e a auditar as dívidas nacionais e locais em todo o território. Estão também a trabalhar na contestação às medidas de austeridade e ao pacto fiscal promovido pela União Europeia.
Grécia: Vivendo o que descreve actualmente como genocídio social, o Comité Grego Contra a Dívida está a encabeçar uma campanha cidadã pelo Não Pagamento e Auditoria à Dívida. A iniciativa tem tido adesão popular, em particular dos movimentos «Aganaktismeni». Da Grécia veio ainda um momento de reflexão pelo recente suicídio, na Praça Syntagma, em Atenas, de Dimitris Christoulas, o farmacêutico reformado, cuja filha faz parte da campanha pela Auditoria à Dívida.
Itália: Diversas redes em Itália estão a trabalhar, nomeadamente através de universidades e escolas, procurando demonstrar a ilegitimidade da dívida pública, argumentando pelo seu não pagamento e promovendo acções de mobilização contra a banca e os processos de privatização. Um ponto que tem revelado bastante importância para os activistas italianos tem sido a desregulamentação e os casos constantes e evidentes de corrupção.
Irlanda: O processo mais técnico foi contratado, e realizado por três académicos a partir de Janeiro de 2011. Apesar de não ter tido grande adesão popular, permitiu descobrir que uma grande parte da dívida pública provinha do Anglo Bank. A dívida continua a aumentar com a intervenção da Troika, e as medidas de austeridade agravam simultaneamente as condições de vida. A campanha pretende agora realizar um processo de educação e mobilização popular a partir dos resultados da auditoria, que implique, entre outras, a necessidade de regulamentar globalmente o sector financeiro, que na Irlanda era completamente liberalizado e levou à situação de endividamento pelos salvamentos da banca com dinheiros públicos.
Polónia: Não havendo ainda uma iminente crise da dívida, a contracção constante de empréstimos em entidade
s financeiras anuncia já medidas de austeridade, às quais a população é absolutamente avessa. A terapia de choque ainda se mantém neste país, em que têm sido implementadas medidas de cortes de impostos às grandes empresas, subida do IVA, cortes na Saúde e Segurança Social, aumento da idade de reforma e privatização dos poucos serviços públicos ainda garantidos. Tem havido uma grande campanha contra a dívida, mas é promovida por figuras públicas neoliberais, que defendem que o Estado não se pode endividar para prestar serviços às pessoas. A perspectiva da campanha que está em lançamento é contrapor com a constatação dos processos de endividamento que não beneficiam as populações, classificando estes sim como ilegítimos.
Reino Unido: Os activistas destacaram a utilização política da dívida pelos liberais para implementar as políticas de austeridade, realizando acções de propaganda para proibir o Estado de endividar-se. Há vários componentes da iniciativa de auditoria no Reino Unido. Inicialmente, foi lançada com o objectivo de avaliar as dívidas contraídas pelos países do Sul e Grécia, Irlanda ou Egipto (Campanha do Jubileu da Dívida), mas no entanto surgiu agora a iniciativa de um processo de Auditoria à Dívida Pública Britânica, que deverá ser desenvolvida principalmente por especialistas.
Tunísia:O principal objectivo da iniciativa tunisina é decretar uma moratória no pagamento da dívida e o anulamento da dívida odiosa contraída pelo ditador Ben Ali. Com laços estreitos com os movimentos e partidos franceses, a ACET (Auditons les Créances Envers la Tunisie) e a ATTAC Tunísia estão a colaborar ainda neste processo com meios de comunicação nacionais, sindicatos e trabalhadores. Conseguiram obter as assinaturas de 130 eurodeputados para pedir a moratória ao pagamento da dívida.
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