Revisão do Código de Trabalho: promessa de precariedade e chantagem

O Governo anunciou hoje a sua revisão do Código de Trabalho. Começa a concertação social, que o executivo já anunciou não poder demorar mais do que um mês. Com Maio a chegar e passadas algumas contestações importantes, mais de três anos depois das promessas eleitorais de revogação do essencial do Código-Bagão, o Governo PS faz as vontades a patrões, admite que é fácil despedir em Portugal ao mesmo tempo que deixa rebuçados para os precários. É importante olhar bem para os slogans e não cair na esparrela. A precariedade continua a ser a proposta do Governo.

As parangonas da proposta de revisão serão, talvez, estas:

Os patrões passam a pagar 5% da Segurança Social dos trabalhadores independentes. Ou seja, dos trabalhadores a recibos verdes. Responsabilizar em parte os patrões, diz o Governo. A folga dos patrões e, sobretudo, a irresponsabilidade do Estado continua: os trabalhadores a recibos verdes continuam a pagar o essencial dos descontos para a Segurança Social, mas não têm direito, por exemplo, a subsídio de desemprego!

Alargamento da licença parental
. Supostamente, passa a ser possível articular entre pai e mãe um ano para olhar pelos filhos. Mas para “conciliar a vida profissional e pessoal” é preciso ter um bom ordenado, porque os últimos meses terão que ser passados apenas com 25% do vencimento.

Contratos a prazo passam a ter limite de 3 anos. O limite era de 6 anos, é verdade. Mas não vale a pena tentar enganar: este mesmo Vieira da Silva, em 2002, na sua passagem pelo Governo de Guterres, reduziu aquele limite para 1 ano. Não há nada de corajoso neste novo limite.

Taxa Social Única (TSU) para empresas dependente dos vínculos laborais. Os patrões passam a pagar menos 1% de TSU, mas pagarão 3% mais se tiverem “uma percentagem significativa” de trabalhadores com contratos a termo.

…mas a verdadeira aposta é na precariedade:

A facilitação dos despedimentos e a “adaptabilidade”; deixa, na prática, de haver limite de horas de trabalho diário; às ordens do patrão, vamos ver trabalhadores a fazer horas extraordinárias gratuitas (bancos de horas), suportar 3 anos de “temporário” na mesma empresa, nas mesmas funções, etc.

Os parceiros sociais já reuniram hoje. José António Silva, Confederação de Comércio e Serviços acha que “o despedimento [liberalizado] não é a única resposta para encontrar soluções para os problemas das empresas. A flexibilidade pode ser uma solução razoável para encontrar respostas”. Já João Proença, da UGT, teme a flexibilidade individual e prefere a flexibilidade colectiva, dizendo que espera que se corrijam os “laivos de anti-sindicalismo inaceitáveis” que constavam no relatório do Livro Branco das Relações Laborais. Francisco Van Zeller, da CIP, acha que vai ter que “discutir tudo, ponto por ponto”, pois claro. Para Carvalho da Silva, da CGTP, “os trabalhadores têm que estar muito atentos e mobilizados” contra estas propostas.

Mas a frase da noite vai para o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social. Vieira da Silva, em directo no Jornal da SIC de há pouco, nervoso e com visíveis dificuldades em explicar a revisão, concordando com José António Silva, declarou que “não é difícil o despedimento em Portugal, senão não haveria o nível de desemprego que existe”! Já sabíamos, mas registamos a sinceridade. Acrescentou ainda que “os sindicatos e os patrões representam interesses contraditórios”, que “há ainda o interesse geral” e que “o Governo está no meio”. No meio do quê?

Quanto ao essencial, Viera da Silva gaguejou mais do que clarificou. Sócrates não conseguiu mais do que a banalidade do costume, que sabemos bem o que significa: “este acordo visa conciliar a competitividade com a coesão social”. Nós compreendemos. Continuamos descartáveis, mas agora somos um problema que já não pode ser escondido. A crescente visibilidade da precariedade já obriga o Ministro a dizer que “está preocupado” e que “a precariedade afecta quase todas as famílias”. O precariado, ainda com muitas dificuldades, está a levantar a cabeça, a juntar-se e a procurar respostas. Para já, sabemos e deixamos o aviso: não é com pequenos rebuçados que nos adoçam a boca. As vozes estão e vão continuar a ouvir-se. E Maio está mesmo aí à porta…

Tiago Gillot

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