Revista Autor: "Precariedade: o direito ao trabalho no séc. XXI"

Partilhamos aqui um excerto dum recente e interessante artigo publicado no sítio da Revista Autor, da autoria de André Pirralha (versão integral, aqui).

«Precariedade: o direito ao trabalho no séc. XXI

(…)

As profundas transformações que o mundo tem conhecido têm-se repercurtido de um modo muito concreto na área laboral. O mercado de trabalho evidencia problemas estruturais de atipicidade, precarização, instabilidade, exclusão e discriminação que, embora de fácil diagnóstico, se revelam de díficil resolução. Ao mesmo tempo, assistimos à tentativa de implementação de uma multiplicidade de reformas no mundo do trabalho com o objectivo de criar maior “Flexibilidade” e assim potenciar a adaptabilidade económica aos períodos de crise, tal como este que agora atravessamos. Mas porque o direito ao trabalho é um inalienável direito humano, importa agora, mais que nunca, pensar nos actuais desafios que se põe à noção de “trabalho conforme a dignidade humana”.

Actualmente, um dos principais problemas no mundo laboral é o crescimento sem precedentes do trabalho precário e da precariedade que mesmo sendo um fenómeno extremamente diverso acaba por provocar um enorme sentido de insegurança a partes cada vez mais significativas da população. “Trabalho precário” é a expressão utilizada para designar todas as formas de emprego em que o trabalhador, devido à natureza não permanente do seu contrato, não tem a mesma protecção social e legal que os outros trabalhadores com vínculos de duração indeterminada. Mas a “Precariedade” é mais do que uma relação de trabalho, é o transformar da própria vida numa certeza adiada e intermitente que toma como refém a esperança num futuro melhor. É um fenómeno complexo com implicações económicas, sociais e jurídicas que se tem tornado cada vez mais presente no nosso quotidiano. Contudo, a sua generalização é relativamente recente e fica muito a dever à inserção das economias nacionais no sistema financeiro global, apenas respondendo às leis da concorrência e competição, sem que fosse prestada a devida atenção aos custos sociais desta deslocalização. O trabalho foi-se transformando numa mera “variável de ajustamento” da criação de riqueza, utilizada ao sabor dos ciclos e das condições da economia e desprezando o seu valor enquanto factor de integração social.

Em Portugal, um dos países onde o trabalho temporário mais progrediu, a situação é particularmente grave, atingindo com maior severidade aqueles que já por si detem posições fragilizadas no mercado de trabalho, como os jovens, os trabalhadores menos qualificados, os imigrantes. Primeiro, começa-se por ser precário porque se é jovem, só agora se entrou no mercado de trabalho e a experiência de dificuldades faz parte de um certo rito iniciático de passagem para a vida adulta. O contrato incerto, sem direito a férias nem a protecção no desemprego, não é mais do que um ponto de partida e de um sinal de que “a vida é difícil mas melhores dias virão”. A irregularidade de horários, a falta de condições de trabalho e os baixos salários são a pena que se deve tomar de animo leve porque se é jovem e a precariedade é inevitável para fugir ao desemprego. Depois, já não se é tão jovem mas porque o ciclo é vicioso a situação mantem-se, de contrato em contrato, ao mesmo tempo que se vão adiando as expectativas de estabilidade e esquecendo os benefícios sociais como a assistência na doença ou na maternidade. Pode até ser qualificado, ter um curso superior, um mestrado, um doutoramento, sem que nada disso garanta as legitimas expectativas de levar vida melhor. Até que chega o momento de abandonar a vida activa e mesmo depois de anos e anos de trabalho e de descontos, o incumprimento dos períodos de garantia mínima da Segurança Social não são suficientes para a aquisição do direito a prestações sociais.

(…)

»
Facebooktwitterredditlinkedintumblrmailby feather