texto de opinião publicado no jornal "24 Horas" de hoje: "No talho da crise
Caro primeiro-ministro José Sócrates,
como tão bem sabe, as crises são também oportunidades – que o digam os banqueiros por todos nós subsidiados. Aproveito então a dita crise para partir de um bom princípio: os precários também se enganam. Afinal, os Precários-Inflexíveis acertaram ao lado quando o nomearam para dois gasganetes dourados em 2008, na primeira edição dos Prémios Precariedade.
Não que o senhor primeiro-ministro seja um empreendedor pouco pró-activo. É claro que varreu a concorrência com os seus dotes e obra. É claro que venceu por muitos votos a categoria Sem Vergonha e o Grande Prémio Precariedade 2008. Mas datámos mal os galardões.
Agora que chegámos ao talho da crise, percebemos melhor o porquê de ser necessário afiar e aumentar as facas a quem se serve das nossas entremeadas. Agora que esta crise-de-costas-largas até chega para despedir pessoas que trabalham para os lucros do homem mais rico de Portugal, entendemos o destino desenhado para o precariado. As contas estavam feitas e nós acabámos já em 2008 no rol dos futuros sacrifícios humanos. Neste talho bem engenheirado, as nossas orelhas foram condenadas a acabar em saladinha na mesa da crise. Foi de mestre, caro primeiro-gestor deste País das Impunidades: no talho da crise, os bifes mais fáceis são talhados a partir dos precários. E a partir dos desempregados, os precários do futuro.
Mas pode estar descansado, aqui nos ajoelhamos. Disponíveis para trabalhar sem direitos, sempre prontos a ser as bifanas de Amorins, Belmiros, Soares dos Santos, van Zelleres e companhia. Ah, já me esquecia: conte sobretudo com os nossos entrecostos no Estado, o maior empregador de precários em Portugal.
Sim, afinal estávamos enganados. Com a invenção do código de trabalho mais ladrão da Democracia, o senhor primeiro-ministro pode ter precarizado muito em 2008. Mas fê-lo querendo preparar a caminha ao ano de super-precarização que aí vinha. Para 2009 estamos conversados, os precários e os desempregados serão o fondue e as espetadas que alimentarão a economia portuguesa.
Mas depois como fará, caro José Sócrates? Tem alguma ideia brilhante para o futuro? Quem irá para o talho quando tivermos emigrado todos? Aliás, acha mesmo que esta geração espoliada vai enfiar eternamente o rabinho entre as pernas? Olhe que já pouco ou nada temos a perder.
abraço,
João Pacheco
(jornalista e membro dos Precários-Inflexíveis – http://www.precariosinflexiveis.blogspot.com/)”
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PERMITAM-ME ANEXAR AQUI ESTE TESTEMUNHO DO FERVE…
I-Porque o governo está muito atento!!!
II-Porque o Vitalino está muito inquieto!
III-Porque o Presidente da República pediu para que não se baixassem os braços!!!!
E finalmente porque o discurso desse Socratino em Castelo Branco foi todo no sentido da Educação como salvação do país…só há salvação se o ensino obrigatório for até ao 12ºano,se os Jovens forem todos Licenciados….pois é com milhares de pais no desemprego quem é que vai pagar os cursos????
E para atirar com os Jovens Licenciados para onde??? Para a SONAE? Para os Callcenter??? Para caixa de supermercado desses que abrem em todas as esquinas sempre dos mesmos grupos económicos???
Para escrevizar licenciados embrulhados nos Recibos Verdes???
Este testemunho e outros tão esclarecedores quanto este deveriam chegar diariamente aos governantes deste país!!!!
Porque me parece que esses sujeitos vivem noutro portugal que não é o NOSSO!!!
Testemunho: Arqueologia
Tenho 25 anos e sou licenciada em Arqueologia desde 2005. Mal terminei o curso, arranjei logo um trabalho para fazer: uma escavação em Vila Real, com a duração de 2 semanas. Para tal, tive de me colectar… mal sabia eu, na altura, as complicações que são os recibos verdes. Quando saímos da universidade o que queremos é trabalhar, ganhar experiência e algum dinheiro.
Depois dessa escavação veio outra, que teria a duração de mais um mês, desta feita em Tomar. Era para a mesma empresa. Entretanto surgiu um trabalho de uns dias em Caminha, na área onde gosto de trabalhar (Arte Rupestre), e a ideia era ir até lá e depois regressar a Tomar. Acontece que houve uma providência cautelar por causa do local da obra, pela Quercus, e as escavações ficaram sem efeito. Estava então sem trabalho…
Se pelos trabalhos de Vila Real e Tomar recebi relativamente rápido, pelo trabalho em Caminha estive 6 meses à espera, já com o recibo passado. A maior parte das empresas pede o recibo antecipadamente, e sem ele, o mais provável é não recebermos.
Tenho muitas histórias sobre os trabalhos que tenho feito para contar. A maior parte deles tiveram a duração de 1 mês, mais ou menos, sempre espalhados pelo país inteiro, sendo que a vida de um arqueólogo que queira exercer a sua profissão é feita com a casa às costas, literalmente.
A situação podia ser gratificante, estando a fazer o que à partida gostamos, se as condições de trabalho compensassem. Pois bem, na minha opinião, o mínimo aceitável para uma oferta de trabalho seriam os 50€/dia, isto se o trabalho não for muito longe de casa.
Senão vejamos… a maior parte das ofertas não contempla qualquer tipo de ajuda quanto à deslocação (por vezes temos de ir do Porto ao Algarve, por exemplo), alojamento, alimentação, já para não mencionar o facto de termos de descontar 20% do que ganhamos para o IRS, uma média de 150€ para a Segurança Social e se tivermos sorte e fizermos mais de 10 000€/ano, ainda nos cobram IVA. Feitas bem as contas, não sobra praticamente nada…. Convém ainda contar com as despesas do material necessário para o trabalho, porque a maior parte das empresas não o providencia, e do combustível utilizado, por exemplo, num acompanhamento de obra, onde se for numa estrada, o arqueólogo tem de andar para trás e para a frente ao longo do troço…
Por isso, os arqueólogos, como tantos outros em Portugal, são uma espécie que não pode ter casa própria, muito menos família e se quiser trabalhar na área tem de se sujeitar a algumas condições que lhe são oferecidas. Por vezes torna-se até impossível ir a casa aos fins-de-semana, porque não dá para gastar mais do que X e as distâncias são longas e caras!
Isto porque começa a existir muita competitividade entre as empresas (que neste momento já são cerca de 70), muita oferta em termos de mão de obra e para ganharem os concursos são apresentados orçamentos miseráveis. O maior problema reside ainda no facto de haver sempre alguém a aceitar as condições, quaisquer estas que sejam! Mais frequentemente os recém-licenciados, ávidos da tal experiências e do tal dinheirinho, até se aperceberem que não é possível viver em determinadas condições.
Eu própria cheguei a aceitar um trabalho de escavação, com a duração de 2 semanas, que hoje não teria feito. Pagaram-me miseravelmente, não oferecem quaisquer condições para alojamento (por acaso fiquei em casa da familiares) e nem o material da escavação forneceram… Aceitei o trabalho porque na altura estava desempregada e estupidamente não tínhamos combinado nenhum valor pré-acordado, pelo que eu não sabia o que me iriam pagar.
O trabalho mais bem pago que fiz, teve a duração de 5 meses, mas houve falcatruas, por parte da empresa, sem fim! Desde terem alugado casas para nós arqueólogos muito longe do local de trabalho, sem que alguém as tivesse utilizado. Escusado será dizer que tivemos de pagar as casas na mesma, bem como as contas da luz dos anteriores moradores, o novo contrato, etc….
Compraram-nos material para trabalhar (parcas reflectores, frontais, coletes reflectores, capacetes – de espeleologia em vez de serem os normais das obras, e como tal muito mais caros – galochas com biqueira de aço, tampões para os ouvidos, etc…) sem perguntarem se precisávamos ou se já tínhamos, que depois tivemos de reembolsar, foram mais de 130€ sem nunca nos terem dado os recibos referentes, cobraram-nos os estragos da viatura que utilizávamos (porque ninguém se acusou de o ter feito) dizendo que quando encontrassem o culpado nos devolviam o dinheiro, e já lá vão quase 3 anos (continuamos à espera)…. Já para não falar no facto de em 5 meses de trabalho nos terem pago 2 vezes…com um óbvio atraso! A maior parte das pessoas estavam deslocadas de casa e já não tinham dinheiro sequer para comer, quanto mais para ir a casa aos fins-de-semana! Nesta altura, muito generosamente, eles “deram-nos” 500€ a cada um, para nos irmos aguentando até nos pagarem o resto.
O último pagamento foi feito, penso eu, que sob pressão de uma denúncia ao Tribunal do Trabalho que até hoje não sei quem fez, porque de novo, ninguém se acusou…
Depois destas experiências menos boas fiz um estágio numa câmara municipal. É certo que não recebia muito, mas foi muito bom receber sempre no final do mês e saber com o que contar. Teve a duração de 9 meses, ainda que alguns elementos da câmara me tivessem querido manter lá, acabei por sair, devido a algumas vozes discordantes. Parece que esse pessoal não gostam quando se levanta o véu e se descobrem algumas coisas menos bem feitas ou mesmo, que fogem à lei!
Fiz uma pós-graduação e fui estagiar para Santiago de Compostela durante 3 meses, onde fiquei ainda durante mais 2, com uma bolsa de investigação.
Quando regressei, tinha perdido os contactos com as empresas de arqueologia, já há muito que não trabalhava para nenhuma, e estive uns valentes meses desempregada. Foi a pior situação em que me encontrei até hoje, literalmente a enlouquecer em casa!
Fui assistente de um professor numa disciplina de mestrado numa determinada Universidade, mas não recebi nada porque as universidades “estão em crise”! Contudo, foi um trabalho gratificante…
Depois de vários meses sem trabalho fui para uma escavação, novamente em Tomar, mas para uma empresa diferente. Estive lá 1 mês e meio e quando me pagaram pela última vez, o cheque estava careca! Ainda tive de pagar os custos de reenvio de cheque ao banco, e ainda hoje a tal empresa me deve 50€, que estou cansada de reclamar mas nem me atendem o telefone!
A escavação teve continuidade, mas em Agosto mandaram-nos 2 ou 3 dias para casa porque tinham de marcar uma posição relativamente aos donos de obra que não queriam dar mais dinheiro para a escava
Polar vamos todos lutar, é o que fazemos todos os dias e vamos continuar a fazer. Mais ainda vamos começar a lutar pelos nossos direitos, pela nossa dignidade. Todos já vimos que os sacrifícios que fizemos não nos levou a lado nenhum e muito menos levou a economia, o nosso pais a algum lado… por isso mais uma vez digo aqui temos que dizer Basta. Começar a demonstrar de todas as formas que estamos descontentes e uma delas poderia passar por cada um de nós escrever a nossa experiência em relação a precariedade à exploração etc e remeter ao Cavaco Silva ao Sócrates se todos o fizessem tornava-se numa forma de manifesto!
Não resolveria, mas tínhamos a certeza que assim não nos poderiam negar que não tem conhecimento dessa realidade.
Temos que agir mais.
Temos toda a força do mundo, temos que nos fazer ouvir!