Ventrílocos | depois do FMI, governo encomenda novo relatório à OCDE
Ontem pudemos observar mais uma vez um serviço contratado pelo governo PSD e CDS parodiar-se por entre as parangonas da comunicação social. A OCDE veio à cidade distribuir afirmações avulsas sem correspondência na realidade: vivemos acima das nossas possibilidades, temos salários muito altos, somos pouco produtivos, pouco flexíveis, não se pode aumentar o salário mínimo nacional, a crise acabou e foram os ricos que a pagaram, pelo que se manteve a coesão social. Mais um fantoche internacional para um serviço doméstico.
O relatório da OCDE em que o Secretário-Geral da OCDE, Angel Gurría, se baseou para as suas comunicações, intitulado “Aprofundar reformas estruturais para apoiar o crescimento e competitividade“, é um documento muito fraco e mal sustentado. Avaliando a situação social pré-troika e até pré-crise do subprime para mostrar melhorias sociais, tenta estabelecer uma relação de causa e consequência entre as medidas introduzidas nos últimos três anos e as melhorias entre 2007 e 2011. E a partir daí só piora.
A OCDE começa dizer que os sacrifícios foram equitativos e que as desigualdades em Portugal decresceram com o programa de ajustamento, para depois dizer que o índice de desigualdade caiu entre 2007 e 2011, acabando depois por assumir esta melhoria se devia apenas ao período 2007-2009. Era difícil torturar mais estes números para produzir afirmações como o senhor Gurría fez, mas foram torturados até quebrarem.
Emigração? A OCDE prefere não falar de fenómenos que afectam quase 400 mil pessoas exiladas. Há que focar-se nos fenómenos positivos como o subsídio de desemprego para os falsos recibos verdes. E avançam com uma mentira: que o subsídio de desemprego foi expandido para os trabalhadores auto-empregados “dependentes”. O sr. Gurría não avançou números sobre isto, porque além de sancionar uma ilegalidade, que é trabalhar a falsos recibos verdes, verificaria que o número de falsos recibos verdes que tiveram acesso a subsídio de desemprego foi, arrendondado às dezenas, próximo do zero. E porquê falar de 400 mil expatriados à força quando se pode falar de sete ou oito beneficiários de uma esmola que nunca saiu do papel?
Sobre os apoios sociais, após elogiar a igualdade das medidas de austeridade, o documento assume que os cortes nos apoios sociais têm de acabar (assim que a situação fiscal permitir) e que o subsídio de desemprego tem de ser ampliado (depois de nas páginas anteriores referir que era muito bom). Mais à frente pede o contrário.
Depois cai-se no ridículo, quando a OCDE aborda a questão do mercado laboral, repetindo os chavões comuns que ouvimos há quase uma década: “Portugal tem um mercado laboral segmentado”, “é preciso mobilidade”, “é preciso facilitar a rotação dos trabalhadores”. Entre os maiores elogios às reformas laborais do actual governo, a OCDE destaca a utilização de horários de trabalho flexíveis, a redução do pagamento das horas extraordinárias, a eliminação de quatro feriados, a introdução do despedimento por razões económicas, a redução das indemnizações por despedimento. A OCDE diz que estas medidas reduzem a “segmentação do mercado de trabalho”, ao baixar os padrões de todos os trabalhadores, precarizando-os. Culmina esta análise dizendo que estas reformas laborais aumentam a equidade e a coesão social.
Mas a OCDE quer e propõe mais: quer aumentar os períodos de experiência dos contratos, desmantelar definitivamente a contratação colectiva (aqui, assumem que os salários baixaram nos últimos anos e que a contratação colectiva impediu que baixassem ainda mais, razão pela qual deve ser removida), quer uma grande flexibilidade salarial decorrentes da flexibilidade laboral, a redução da TSU e a manutenção do congelamento do salário mínimo.
Sobre o desemprego, propõem uma redução do subsídio de desemprego para as pessoas mais velhas enquanto avançam pela primeira vez com um número para os programas-fantoche do governo para o desemprego: no relatório afirma-se que houve 500 mil beneficiários dos programas Estímulo 2012 e Impulso Jovem. Infelizmente, não citam a fonte desta informação, pelo que poderá bem ser ficcional.
Após o escândalo com o relatório do FMI sobre os cortes encomendado e escrito pelo governo em Janeiro de 2013, o governo volta a repetir a graça, desta vez com a OCDE. Talvez tenha sido mais subtil desta vez, pedindo ao ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, que é agora economista-chefe desta organização, a ser “proactivo e empreendedor” no relatório. O resultado não é um documento sério, mas uma ficção só comparável às mais recentes obras de Passos Coelho “não há precariedade, há estabilidade” e “queremos o pleno emprego”.
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