"A luta contra a precariedade precisa da solidariedade de todos os trabalhadores"

Texto de Ricardo Vicente, membro do PI, publicado na última edição da revista Escola Informação, do SPGL (disponível, íntegra, aqui ou  aqui) que, tal como já tínhamos divulgado, incluiu um dossier sobre precariedade:

« Actualmente, todos os dias, de diversas formas e em diversos locais, somos massivamente confrontados com um discurso de modernidade e competitividade que apregoa a ideia de que as relações laborais têm de ser mais flexíveis, que os trabalhadores estão demasiado protegidos, e sublinha a inevitabilidade da sua transformação e adaptação ao mercado liberal e global, afirmando que este é o único caminho para responder à crise económica e social em que o país, assim como parte da Europa, está mergulhado. Este discurso, apesar de hegemonizar toda a comunicação social é assumido por um conjunto restrito e bastante específico de protagonistas – escolhidos a dedo por patrões e governantes, nacionais e internacionais.

 
FONTE: SPGL

Nos últimos anos, tal como hoje, foram as linhas e os protagonistas que tecem este discurso que ditaram as políticas e formaram Governos. Se reconhecemos a gravidade da situação económica e social actual, teremos de reconhecer também que a sua resolução não pode passar por mais do mesmo.»

« Bem sabemos qual o resultado de todas as políticas que promoveram a flexibilização, fragmentação e individualização do trabalho. As recentes e profundas alterações ao Código do Trabalho vieram facilitar este caminho que assume uma falsa igualdade na relação de forças entre o trabalhador a título individual e o seu patrão. O resultado foi a brutal precarização de uma grande fatia da classe trabalhadora, que começou pelos mais jovens e mais desprotegidos mas que não pára de se alastrar, atingindo hoje todas a faixas etárias e profissões.

Desde os falsos recibos verdes aos contratos a prazo e à total informalidade das relações de trabalho, situações muitas vezes intermediadas por empresas de trabalho temporário que capturam parte dos salários, as formas de precarização do trabalho são diversas e complexas. Mas dentro de um largo leque de possibilidades, muitos factores há em comum: salários baixos; contratos de curta duração ou ausência destes; impossibilidade ou grande dificuldade de acesso ao subsídio de desemprego; grande rotatividade de horários; acumulação de diversas profissões; trabalho intermitente e intercalado por largos períodos de desemprego; carácter descartável; ausência de perspectivas de carreira; fraca capacidade reivindicativa; entre outros. Mas a precariedade reflete-se, também, noutras dimensões da vida, dificultando o acesso e/ou a participação na ciência, na cultura, na arte, na política, etc. É a total instabilidade e incapacidade de perspectivar e construir o futuro, situação em que se encontram cerca de 2 milhões de trabalhadores, mais de um terço da população activa do país (5,5 milhões), ao qual se pode juntar um banco de suplentes representado por mais de 700 mil desempregados.

Assim, as transformações no mundo do trabalho e, portanto, na vida concreta das pessoas têm sido marcadas por uma elevada turbulência que subtraiu salários e direitos a quem menos tinha. Uma situação que se tem acentuado brutalmente por intermédio de várias chantagens – a crise económica, o défice, o FMI, … –  que estão a possibilitar o massacre completo através das recentes medidas de austeridade, pelo PEC I, II e III. Uma descarada e gigantesca transferência de riqueza da totalidade dos trabalhadores para os grandes senhores do capital financeiro, os verdadeiros criadores da crise, que continuam intocáveis e que muito têm lucrado com ela.

Querem fazer-nos crer que a precariedade é a solução para tudo. Depois da forte evolução tecnológica que marcou as últimas décadas e que elevou os níveis de produtividade para máximos históricos, governantes e reputados comentadores políticos afirmam, repetidamente, que o país tem uma reduzida produtividade. E justificam a situação com a rigidez das relações de trabalho. Será possível aumentar a produtividade do país? Sim. Esse ganho de produtividade poderá ser proporcionado pela flexibilização e precarização do trabalho? Não. Porquê? Porque a estabilidade do trabalho é essencial para o aprofundamento e o ganho de competências, mas também para a criação de identidades individuais e colectivas e fortalecimento das suas relações. Por outro lado, o trabalho estável possibilita a prática e o desenvolvimento de outras actividades da esfera social, económica, ambiental e política essenciais para o desenvolvimento sustentável das sociedades. Factores que, por diversos motivos, nomeadamente devido à evolução tecnológica, estão cada vez mais directamente relacionados com a produtividade do trabalho.

Mas então qual é o interesse dos patrões no trabalho precário?
Simples: a fragmentação e precarização do trabalho que divide, aliena e chantageia a classe trabalhadora possibilita uma margem de lucro muito maior do que as perdas de produtividade daí decorrentes. Pelo que seria possível à sociedade atingir maiores níveis de produtividade e de forma mais justa.

A urgência é demasiado grande, pois o assalto às nossas vidas é brutalmente intenso. Perante uma tão rápida transformação e reestruturação das formas de exploração e chantagem a que todos os trabalhadores estão submetidos, só a solidariedade, a resposta e organização conjunta, que reúna e experimente as mais diversas formas de expressão, e, simultaneamente, recuse o proclamado “inevitável” caminho em direcção ao abismo e proponha alternativas, terá capacidade para travar esta austeridade sem fim e possibilitará novas formas de organização da produção capazes de satisfazer as necessidades da sociedade. É aqui que nós, Precários Inflexíveis, nos situamos e é para este caminho que pretendemos dar o nosso modesto contributo ao conjunto do movimento dos trabalhadores.

Em vários momentos, desde o seu aparecimento, os diversos movimentos de precários se juntaram entre si, mas também aos sindicatos e restantes organizações de trabalhadores, no mesmo combate. São exemplos a campanha “Antes da Dívida Temos Direitos” que levou ao Parlamento a voz de 12 mil pessoas que assinaram uma petição contra os falsos recibos verdes e em defesa da Segurança Social; a organização do MayDay Lisboa e Porto que sempre se juntou à manifestação do 1º de Maio organizada pela CGTP; a participação conjunta com o Movimento Escola Pública e o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL) numa organização de professores das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC); a inicitiva “Vamos!” que reuniu um alargado conjunto de activistas na ocupação do espaço público e na recusa das medidas de austeridade; a convocação
e participação na Greve Geral do passado dia 24 de Novembro.

O caminho e os desafios que o futuro nos reserva são grandes, mas sabemos que não estamos sós e muito temos aprendido juntos. Vamos à luta! »

Facebooktwitterredditlinkedintumblrmailby feather