Análise dos Precários Inflexíveis à proposta do Governo para o Código Contributivo

Os Precários Inflexíveis consideram o Código Contributivo como uma ferramenta legal da maior importância e que, por isso, tem de ser justa, designadamente, justa com todos os trabalhadores e trabalhadoras e que permita suportar o cumprimento das funções essenciais do Estado. Consideramos ainda que, como todas as outras leis, deve ser constituído numa legislação clara e acessível, passo fundamental para a sua justa e democrática aplicabilidade.

Lamentamos que a proposta do Governo surja no âmbito da Lei do Orçamento de Estado. Quer pela importância do Orçamento quer pelo conhecido dramatismo em torno da sua aprovação. Uma discussão séria e profunda em torno do Código Contributivo fica claramente prejudicada.

Apresentamos em seguida, os pontos mais relevantes resultantes da análise do movimento Precários Inflexíveis sobre a proposta de Código Contributivo do Governo:



1) Trabalhadores por conta de outrém:

Nesta nova proposta de Código Contributivo, o Governo prescinde das medidas de penalização e bonificação das taxas contributivas previstas no diploma anterior, consoante a natureza dos contratos (agravamento de 3 pontos percentuais nos contratos a prazo e menos 1 ponto percentual nos contratos sem termo) – estes dispositivos serão novamente apreciados apenas em 2014 e só depois de novo acordo em Concertação Social. Cai assim por terra um dos principais instrumentos do muito propagado “combate à precariedade” no Código Contributivo, numa cedência clara às exigências das organizações patronais.

Mais relevante é o facto de, com este Código, as contribuições passarem a incidir sobre um conjunto mais alargado de rendimentos. O princípio correcto de que não devem existir formas de salário escondido que não são alvo de contribuição – e que, no fundo, prejudicam as carreiras contributivas dos trabalhadores e a capitalização da Segurança Social – é, no entanto, alargado a alguns itens menos compreensíveis e até injustos.

O Governo dá um sinal de fraqueza ao desistir da sua alegada bandeira no “combate à precariedade”, através da cedência aos patrões nas alterações às taxas contributivas. Por outro lado, não é justo o alargamento da base de incidência contributiva aos rendimentos provenientes, por exemplo, do subsídio de alimentação, do subsídio para rendas de casa, das compensações por cessação do contrato de trabalho ou dos abonos para falhas – sobretudo quando, em sentido contrário, se adia para 2014 a eventual aplicação da inclusão, por exemplo, dos rendimentos provenientes de prémios ou da participação em lucros.

2) Trabalhadores independentes:

Regime de contribuições 

Já a anterior versão do Código Contributivo instituía um único regime de contribuições para os trabalhadores independentes e, quando anunciada, gerou uma fundada esperança entre os trabalhadores a recibos verdes. Parecia que finalmente iria existir uma correspondência entre as contribuições e os rendimentos efectivos, ou seja, o valor a pagar à Segurança Social iria passar a reflectir efectivamente sobre o valor passado nos recibos de cada mês. Infelizmente, não é assim, porque as contribuições mensais para a Segurança Social são calculadas a partir do valor total dos recibos passados no ano anterior.

Ao basear os descontos no valor dos rendimentos do trabalho do ano anterior, a proposta ignora as dificuldades específicas dos trabalhadores independentes, como a incerteza e a frequente inconstância dos seus rendimentos.

Base de incidência contributiva

A base de incidência contributiva, ou seja, o valor de rendimentos considerado para as contribuições, é calculada através de 70% do duodécimo do valor total dos recibos passados no ano anterior. O valor assim obtido é enquadrado em escalões pré-definidos, que remetem para percentagens do Indexante dos Apoios Sociais. O escalão mínimo é de precisamente 1 IAS. Assim, a contribuição mínima para os trabalhadores independentes, salvo as excepções previstas, será de €124,09 (= 419,22 x 0,296).

A existência de escalões, nomeadamente de um escalão mínimo, penaliza especialmente quem tem rendimentos mais baixos. O Governo, com esta proposta, continua a não assegurar uma verdadeira correspondência entre rendimentos e contribuições, factor essencial para a justiça contributiva e decisivo para a vida de centenas de milhar de pessoas que vivem sem a capacidade de projectar ou planear a vida na semana, mês ou ano seguinte.

Taxa contributiva

Na actual proposta, o Governo prevê um forte aumento da taxa contributiva, em 5 pontos percentuais, passando para os 29,6% (contra os 24,6% da proposta anterior). É um agravamento muito forte, que representa um aumento de mais de 20% na taxa.

Uma taxa de cerca de 30% para os trabalhadores independentes é um peso brutal e injustificado. É preciso recordar que, estas pessoas, muitas delas com baixos rendimentos, têm ainda que enfrentar a factura do IRS e do IVA: assim, as contribuições e impostos correspondem a mais de metade dos rendimentos.

Entidades contratantes

O Governo, na actual proposta, considera como “entidades contratantes” apenas aquelas que concentram 80% ou mais do valor total dos recibos passados pelo trabalhador durante o ano em causa. A famosa contribuição de 5% a cargo destas entidades, prevista na proposta anterior do Código, passa, portanto, a estar dependente deste critério. No fundo, o argumento é que esta é a forma de detectar o indício da existência de uma falsa relação independente entre empregador e trabalhador – os falsos recibos verdes.

Mas há um outro ponto nesta proposta que merece destaque: detectadas as entidades contratantes, segundo o critério definido, é prevista a comunicação à Autoridade para as Condições do Trabalho ou aos serviços de fiscalização da Segurança Social, para averiguar a legalidade da situação, ou seja, apurar se estamos ou não perante a existência de um falso recibo verde.

A contribuição de 5% por parte das entidades empregadoras é, tendo em conta as vantagens que resultam do abuso dos falsos recibos verdes, o assumir da vitória da impunidade perante o estado e a responsabilidade colectiva ou social. Como dissemos desde o primeiro momento, entendida como uma simples penalização, esta medida corresponde, na prática, à legalização da precariedade. No entanto, o mecanismo de verificação introduzido nesta proposta, apesar de suscitar dúvidas sobre a operacionalidade do critério e na sua implementação, representa um primeiro passo: o Governo, depois da luta dos movimentos de trabalhadores precários e das organizações de trabalhadores, vem agora finalmente reconhecer a existência da enorme fraude social que são as centenas de milhares de trabalhadores a falsos recibos verdes.

3) Considerações finais:

Com esta proposta de Código Contributivo, o Governo demonstra bem o seu próprio impasse. Por um lado, a falta de convicção que sempre demonstrou para enfrentar a precariedade facilita a cedên
cia às exigências das organizações patronais que, de forma grave e estruturada, foi imposta no último Código do Trabalho. Por outro lado, a evidência do crescimento brutal da precariedade, nomeadamente o escândalo dos falsos recibos verdes, bem como a intervenção dos movimentos de trabalhadores precários e de organizações de trabalhadores, obrigou o Governo, finalmente, a reconhecer que existe um paraíso de ilegalidade que atropela uma parte substancial e crescente da classe trabalhadora no país e prejudica incalculavelmente a Segurança Social. E que, dizemos nós, pressiona e chantageia tudo e todos: nos salários, nas expectativas, nos direitos.

Lamentamos que o sistema de contribuições para os trabalhadores a recibos verdes, que afecta quase um milhão de pessoas, não garanta uma correspondência em cada mês com os rendimentos efectivos, como nos trabalhadores dependentes. Optar por escalões injustos e por descontos apurados segundo os rendimentos do ano anterior, é simplesmente ignorar as verdadeiras condições de vida e trabalho da maioria dos trabalhadores a recibos verdes, mantendo os principais factores que levam ao afastamento destas pessoas do sistema de Segurança Social e dos apoios sociais em momentos de dificuldade.

O Governo cedeu e reconhece agora que o seu caminho anterior prescindiu de enfrentar a generalização dos falsos recibos verdes. É, na verdade, apenas ainda uma espécie de ”meio caminho”, porque os mecanismos de detecção são pouco claros e os critérios discutíveis. Mas prova também que o combate dos trabalhadores a recibos verdes tem hoje mais capacidade e pode forçar soluções a sério no futuro. Cá estaremos para o exigir, não só no que diz respeito às contribuições, mas também relativamente às dívidas injustas à Segurança Social acumuladas por milhares de trabalhadores a falsos recibos verdes – não desistimos do combate que iniciámos na petição organizada recentemente pelo conjunto dos movimentos de trabalhadores precários, que esbarrou na arrogância e na falta de coragem. Aliás, as medidas agora propostas para detecção dos falsos recibos verdes demonstram, não só a força da petição “Recibos Verdes: Antes da Dívida Temos Direitos!”, mas também que era possível ter encontrado soluções para responder aos problemas em vez de os adiar e penalizar quem é mais fraco.


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