Contrato Social: Requiescat In Pace (RIP)?

A Associação Industrial Portuguesa veio hoje declarar que considera urgente limitar o direito à greve e “reformular” o contrato social, declarando em comunicado “que a situação de emergência nacional que o país atravessa (…) torna inadequada e de urgente reformulação alguns preceitos do contrato social existente no país, como é o caso do exercício irrestrito do direito à greve”. Como se previa, as declarações de ontem da CIP previam abrir caminho à normalização da ideia do fim do direito à greve, adicionando a “reformulação” do contrato social. “Reformula-se” o contrato como se “reformula” o estado social: enterrando-o.

A Associação Industrial Portuguesa (AIP), que sempre defendeu as alterações ao trabalho portuário “como forma de melhorar a competitividade dos portos portugueses” congratulou-se com “decisão corajosa do parlamento em aprovar o novo regime jurídico do trabalho portuário”. Os estivadores, em luta desde setembro, com uma grande greve às horas extraordinárias, vítimas de todas as calúnias imagináveis por parte de governo e patrões, opõe-se à nova lei do trabalho portuário, que amanhã deverá ser aprovada na especialidade por PSD, CDS e PS.

Para contrariar uma greve legal, os patrões e os seus “sindicatos” – CIP e AIP – vêm crescendo o tom de ameaça aos estivadores, pretendendo desmantelar a actual greve, tendo já imposto através do governo serviços mínimos (uma noção bastante confusa, a de serviços mínimos numa greve que é apenas das horas extraordinárias), que foram agora aumentados em uma hora, e começar desde já a evitar futuras greves, restringindo o direito a esta conquista civilizacional. Não pode haver dúvidas aqui: há dois lados em confronto – patrões e trabalhadores. Enterrar o contrato social e o direito à greve implicará não só uma vitória dos patrões e do seu governo sobre os estivadores, mas um vitória dos patrões e do seu governo sobre todos trabalhadores. Será uma conquista sobre todos e todas quantos trabalhem. Aceitar que uma greve pode ser desmantelada por uma mudança legislativa é aceitar que as regras podem ser mudadas a meio do jogo. Este jogo não é amigável – é um combate – e os patrões, além de contarem com o apoio do árbitro, compraram uma parte significativa do público para torcer contra os estivadores que representam todos os trabalhadores neste combate.

A AIP termina o seu comunicado com chave de ouro, acenando novamente com a requisição civil e a intervenção militar nos portos, “dados os superiores interesses colectivos do país”. O interesse colectivo do país é portanto definido pela AIP como o seu próprio interesse. Assim fica fácil implementar a nossa vontade contra os outros. É como dizia Orwell “Todos os animais são iguais, só que há uns que são mais iguais que os outros”. Quem tem dinheiro é mais igual que quem não tem. Mas não cederemos tão facilmente os nossos direitos, por mais iguais que os patrões sejam.

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