Contratos precários ao longo de 22 anos no Instituto Superior Técnico

IST

Partilhamos aqui o testemunho que nos chegou da Ana Cachopo.

«Li este artigo no Público e pensei que seria interessante terem conhecimento do meu caso, pois estive com contratos a prazo ao longo de 22 anos numa universidade pública portuguesa e agora estou desempregada em Londres.

O meu primeiro contrato com o Instituto Superior Técnico (IST) teve início a 1 de Setembro de 1992, na categoria de Monitora. Recebi em Julho de 2014 o ofício referente à cessação do meu contrato a partir do dia 16 de Setembro de 2014, “enquadrada numa política geral de flexibilização da gestão do pessoal docente”.

Comecei a dar aulas no IST na categoria de “Monitora” durante o 4º ano do meu curso, e fui subindo na carreira até terminar o doutoramento e chegar a “Professora Auxiliar” em 2007, sempre com contratos a prazo uns a seguir aos outros. Em 2012 a minha contratação por tempo indeterminado foi recusada por eu não ter publicações científicas depois de terminado o doutoramento, e fui contratada como “Professora Auxiliar Convidada” entre de Abril de 2013 e Setembro de 2014.

Durante os 22 anos em que dei aulas preparei várias cadeiras de raiz, publiquei vários textos de apoio para as disciplinas que leccionei (com centenas de páginas de exercícios resolvidos e resumos da matéria), tive avaliações excelentes por parte dos alunos (apenas cerca de 11% dos docentes atingem esta avaliação), desempenhei cargos de gestão no meu departamento (coordenadora de mobilidade, coordenadora das vigilâncias de exames), e as minhas publicações científicas antes de terminar o doutoramento têm um número razoável de citações (https://scholar.google.co.uk/citations?hl=en&user=mVlwYmYAAAAJ) e continuam a ser citadas em 2015.

Ao fim de tanto tempo de serviço, em que a única vez que estive ausente do serviço foi quando estive de licença de parto do meu único filho, informaram-me que não iriam renovar o meu contrato.

Eu já tinha tentado encontrar emprego em Portugal, mas a única “espécie de proposta” que tive foi dizerem-me que não tinha experiência profissional e por isso até podiam (fazer o favor de) contratar-me, mas como recém-licenciada e a ganhar perto do ordenado mínimo. Como eu e o meu marido achámos que teríamos muita dificuldade em viver apenas com o salário dele (também “Professor Auxiliar” no IST), a opção da minha família foi sair do país e vir para Londres com o nosso filho de 15 anos. O meu marido está a trabalhar cá desde Janeiro de 2014, eu vim com o nosso filho em Agosto de 2014, depois de terminar o ano lectivo. Continuo à procura de trabalho, pois com a mudança de país e de carreira não tem sido fácil. Felizmente o ordenado actual do meu marido chega para cobrir as nossas despesas básicas neste momento.

Há ainda a questão da compensação por cessação do contrato de trabalho: se tivesse trabalhado numa empresa privada, teria direito a uma compensação relativa aos 22 anos de serviço, uma vez que durante este tempo sempre fui empregada do IST, e sempre em regime de exclusividade (excepto como monitora, em que isso não era possível). O IST pagou em finais de Maio de 2015 (8 meses depois de terminado o meu último contrato) a compensação relativa ao último ano e meio de serviço, pois antes disso eu estive em período experimental e durante esse período (mais de 20 anos!) não teria direito a compensação.

Percebo que não houvesse necessidade de pagar compensação pela saída da função pública quando os funcionários públicos não podiam ser despedidos. Não percebo porque é que os funcionários públicos não podiam ser despedidos, e apesar de não concordar com os critérios usados para me despedirem, reconheço que tinham o direito de o fazer. Não percebo e acho profundamente injusto que ao fim de 22 anos de serviço me pagem a compensação por 1,5 anos, menos de 7% do tempo que eu lá trabalhei.

Infelizmente, não são só as empresas privadas que exploram os seus trabalhadores. O estado também o faz, e no meu caso ao longo de muito mais tempo do que qualquer empresa privada o poderia fazer, e sem ser obrigado a pagar a justa compensação. Ao mesmo tempo vai fazendo tábua rasa de todas as directivas comunitárias que vão no sentido de uniformizar os sectores público e privado dos vários países.

Ana Cardoso Cachopo
http://ana.cachopo.org »

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