Convenção dos Direitos da Criança: 25 anos depois, “austeridade conduz à negação dos direitos da criança”

Celebram-se esta semana os 25 anos da Convenção dos Direitos das Crianças das Nações Unidas. Foi o tratado de direitos humanos mais ampla e rapidamente ratificado de sempre e apenas dois países não o assinaram, os Estados Unidos e a Somália. O relatório da Convenção dos Direitos da Criança em Portugal revela claramente que “a austeridade conduz a uma negação ou violação dos direitos das crianças”.

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Os direitos das crianças demoraram a ser legislados. Nos primeiros casos de acções em tribunal de queixas de maus tratos a crianças os advogados tiveram de recorrer às leis de direitos dos animais para preparar a sua defesa. Com o tempo as leis foram surgindo, a visão sobre a infância e as crianças foi-se alterando. A Convenção dos Direitos das Crianças é constituída por 54 artigos que prevêem a não discriminação, os direitos de sobrevivência e desenvolvimento, de nome e nacionalidade, de protecção, de reunificação da família, não podem ser deslocadas ou retidas ilicitamente, o direito a opinar sobre os assuntos que lhes dizem respeito, à liberdade de expressão, de pensamento, consciência e religião, de associação, ao acesso à informação, à adopção, à protecção da vida privada, à protecção contra maus tratos e negligências, à protecção especial caso sejam refugiados ou deficientes, a cuidados e serviços médicos, à segurança social, a ter um nível de vida adequado, à educação, ao lazer e a actividades culturais, a não trabalhar, devem ser protegidas contra a exploração sexual, a venda, o tráfico, o rapto e outras formas de exploração, tortura e privação da liberdade, e, finalmente, devem ser protegidas de conflitos armados.

Um pouco por todo o mundo, os direitos previstos na Convenção são flagrantemente quebrados. De acordo com o Banco Mundial, os níveis de literacia e numeracia juvenil (dos 15 aos 24 anos) encontram-se abaixo dos 80% em 18 países e são particularmente preocupantes no Níger (apenas 24% dos jovens sabem ler), Mali (47%), Guiné (31%), Costa do Marfim (48%), Chad (49%), República Centro Africana (36%), Afeganistão (47%), Senegal (66%) e Gâmbia (69%).

Segundo a UNICEF, 13 milhões de crianças na União Europeia não têm acesso aos bens básicos para a sobrevivência e 30 milhões de crianças de 35 países “desenvolvidos” vivem na pobreza. Ainda segundo a UNICEF, 27 a 28% das crianças nos países “em vias de desenvolvimento” estão subnutridas, sobretudo no Sul da Ásia e na África subsaariana. 72 milhões de crianças em idade escolar não a frequentam, 57% dos quais são raparigas. De acordo com a o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, o orçamento necessário para a escolarização de todas as crianças do mundo seria inferior a 1% do que é gasto anualmente em armamento. As Nações Unidas afirmam que há 43 milhões de refugiados no mundo, 41% dos quais são crianças.

Diz a Organização Internacional do Trabalho que 168 milhões de crianças trabalham (sobretudo em agricultura, serviços e indústria), 85 milhões das quais em trabalhos perigosos. A UNICEF afirma que cada ano há 2 milhões de crianças que são exploradas no comércio sexual.

Em Portugal, o cenário não é menos assustador. Em 2011 foi publicado o relatório da OCDE “Doing better for families” que coloca o país com a 8º maior taxa de pobreza infantil. Estas estatísticas espelham a realidade, que por sua vez é um reflexo das escolhas políticas do governo. Desde a intervenção da troika em Portugal e da eleição do governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas que aumentou para 28.6% a taxa de crianças em risco de pobreza, quase 550 mil famílias perderam o direito ao abono de família e 120 mil crianças dependem de ajuda alimentar para escapar à fome. Entre 2010 e 2012 o governo cortou o RSI a 50 mil famílias. A comida que as crianças comem na escola passou, em muitos casos, a ser as únicas refeições que têm.

Metade da população activa está neste momento desempregada ou é precária. 85% dos desempregados têm filhos e sabemos que mais de 80% das pessoas desempregadas não têm acesso a qualquer subsídio. As contas da tragédia não são difíceis de calcular e o relatório da Convenção dos Direitos da Criança em Portugal revela claramente que “a austeridade conduz a uma negação ou violação dos direitos das crianças”.

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