"Crise & Saúde – Um país em sofrimento": relatório demonstra que cuidados de saúde estão a piorar
O país está em sofrimento, é a conclusão do Relatório de Primavera 2012 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS). De acordo com o texto de 220 páginas, a crise está a agravar os problemas de saúde mental, de dependências e a prevalência de doenças infecciosas, entre outros, assinalando ainda a existência de racionamento. Leal da Costa, secretário de Estado da Saúde, no encerramento da própria cerimónia de apresentação, preferiu contestar as conclusões do relatório e colocá-lo em causa.
Não faltam estudos científicos que concluam que crise socioeconómica, desemprego e endividamento prejudicam de forma crassa a saúde mental, contribuindo para um aumento da depressão, ansiedade, falta de auto-estima e intenções suicidas. Foi também a essa conclusão que chegaram os autores deste relatório. A Grécia é usada como exemplo, uma vez que entre 2007 e 2009 os suicídios aumentaram 17% e se estima que tenham aumentado mais 25 a 40% até 2011, tudo devido “à dificuldade em suportar altos níveis de endividamento pessoal e familiar”. Em Portugal, de acordo com dados do INE, os valores do suicídio ultrapassaram em 2010 as mortes por acidentes com transportes.
A doença mental e o suicídio afectam não apenas a pessoa afligida mas toda a família e rede social em que ele ou ela se inserem. O rendimento escolar decresce, a produtividade no trabalho é fortemente afectada, a gestão do orçamento familiar torna-se uma tarefa sobre-humana, tal como qualquer outra tarefa do quotidiano. Quanto mais fragilizada está a pessoa, mais difícil é para ela sair dessa situação por si própria, e mais afectadas são as pessoas à sua volta. No entanto, no nosso país não se aposta na prevenção, e mesmo o acesso ao tratamento está seriamente dificultado. Em Viseu, por exemplo, há utentes à espera de consulta psicológica desde Outubro, sem que sequer uma triagem tenha sido feita, uma vez que há apenas uma psicóloga a servir toda a população da capital de distrito. O primeiro estudo nacional sobre saúde mental, de 2010, coloca Portugal no topo dos países europeus com maior prevalência de doenças mentais, e muito perto do líder mundial. Os autores do relatório relembram ainda que “existe evidência sobre a relação entre o sofrimento mental, sobretudo em situação de crise económica prolongada, e as suas repercussões físicas”, influenciando o sistema cardiovascular e imunológico.
O Ministro da Saúde diz que não faz mal. O Ministério refere que o aumento verificado de taxas moderadoras para os não isentos fica “largamente compensado com as poupanças obtidas pelos utentes com a política de redução de custos na área do medicamento”. Deve ser por isso que se verifica um aumento de 15,3% no consumo de ansiolíticos, e que em 2011 se registou o máximo histórico no que toca a consumo de antidepressivos.
Uma das principais falhas apontadas pelo grupo de trabalho do OPSS é a ausência de uma análise prévia do impacto sobre a Saúde das várias medidas tomadas em tempo de crise. “É compreensível que num primeiro momento de grande pressão se tomem medidas de carácter exclusivamente financeiro, mas isso já não se justifica seis meses ou um ano depois”, pode ler-se no documento.
É ainda apontada “a falta de uma verdadeira política de saúde que enquadre as medidas de racionalização e contenção de gastos e que minimize os seus efeitos negativos”. Podemos avançar como um dos muitos exemplos o da política para as profissões da saúde, onde o comentário nas considerações finais se resume a “não existe”. Paulo Macedo contesta esta afirmação, contrapondo: «não é verdade que as reformas inspiradas na troika não estejam enquadradas em políticas de saúde que ajudem a equilibrar e a dar sentido às medidas orçamentais. Existe uma política de Saúde devidamente estruturada, ao contrário do que afirma o OPSS». Nós concordamos com o Ministro da Saúde; as políticas de saúde existem, são é tão embaraçosa que foi preferível não a partilhar com os investigadores da Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade de Coimbra e da Universidade de Évora. Consiste em contratar os profissionais de saúde ao preço mais baixo possível, apostando em alargar a precariedade que já impera em profissões como enfermagem, fisioterapia e psicologia e começar também a abranger a medicina (aqui).
Várias outras críticas são avançadas, principalmente o facto de as taxas moderadores serem consideradas uma falácia para esconder o que na realidade são co-pagamentos pelos serviços prestados. Os investigadores do OPSS pronunciam-se ainda quanto a terem “ocorrido um conjunto de situações que afectam negativamente a sustentabilidade política do SNS” (consultar em maior detalhe no relatório, p. 56). Podemos dar como exemplo o existirem “sinais de uma agenda não-universalista”; além de se sentirem “barreiras ao acesso [ao SNS]; percepção de racionamento implícito; estigmatização associada com o recurso ao estatuto de pobreza; e reconhecimento de que é mais conveniente utilizar serviços privados (por efeito das falsas taxas moderadoras e do fecho de serviços públicos próximos)”.
Paulo Macedo defende-se da forma mais habitual em política: “parte substancial do que é considerado pelo OPSS como fragilidade do sistema de saúde português é observação recorrente, está em todos os relatórios de anos anteriores e, portanto, não diz especial respeito à actual equipa que gere o Ministério da Saúde nem esta pode ser responsabilizada por supostos agravamentos”. Portanto, como já há muito tempo que as coisas estão mal, o Ministro da Saúde não percebe como é que as pessoas não desistem e param de falar nisso. Ele e a sua equipa não têm culpa nenhuma que as coisas se agravem, isto apesar de serem representantes democráticos cuja missão é defender e garantir a manutenção da saúde de todos em Portugal.
O Ministro não se sente responsável, portanto, por ter passado a ser normal os pacientes abandonarem os tratamentos de fisioterapia aos primeiros sinais de melhoria, contra-indicação médica. Também a sua equipa não terá poder para remediar o facto de Portugal ter “o segundo valor mais elevado nas estatísticas da OCDE relativas ao consumo de bebidas alcoólicas na população com 15 e mais anos” e de a taxa de mortalidade associada a doenças relacionadas com o álcool não ter melhorado ao longo da última década. Nem podem fazer nada quanto a haver um aumento no número de novas infecções por VIH em consumidores de drogas injectáveis. Nem sequer em relação a verificar-se um acréscimos de risco de hipertensão arterial, enfarte do miocárdio e acidente cerebrovascular, diabetes e infecções. Razão mais do que suficiente para colocar em questão a sua competência.<
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O OPSS, como tantas outras autoridades, aponta a necessidade de mais protecção social, de políticas activas de emprego, de mais suporte familiar, de respostas ao endividamento e de políticas relativas ao alcoolismo, uma das dependências que cresce com a crise.
Nós concordamos. Tem de se tratar da saúde deste país, senão muito em breve não nos restará outra alternativa senão apostar tudo nos cuidados paliativos.
Para saber mais:







Isto não é surpresa para ninguém.
Seria interessante, isso sim, saber a taxa de suicídios em Portugal, nos últimos três, quatro anos, de modo a efectuar uma análise comparativa.
Os homicídios aumentaram, isso todos nós sabemos e vemos na TV.
O pior da crise, é os efeitos que o desemprego, e a frustração, irão ter em todos os jovens, sejam licenciados ou não. Ter emprego é melhor do que não ter; mas ter um mau emprego faz que se deteste, faz, por vezes, mais mal, do que não ter emprego algum.
Ter toda uma série de jovens com futuros adiados, e presente e futuro frustrante, provoca raiva e um desejo de explodir, seja com a entidade patronal; família; amigos.
No limite, estamos a construir todo um futuro de gente com problemas multíplos e toda uma geração com problemas de auto-estima; depressão; etc.
O suicídio não é um problema de saúde publica e sim um problema social… tratem-no como tal… porque não são os antidepressivos que fazem alguma coisa (aliás está provado que nada fazem a não ser enriquecer a industria farmacêutica), é dar a estrutura para que o ser humano individual e colectivo possa ser feliz e que todas as suas necessidades sejam correspondidas. Agora quem não tem o que comer, não tem dinheiro, não tem trabalho, não pode ter famila, não pode ter nada, e assim, quem é que quer viver…