Enfermeira precária no Público de hoje

Tem 23 anos, uma licenciatura em Enfermagem e um vínculo precário num lar de idosos do Porto, onde lhe pagam uma média de 800 euros por mês. Não diz o nome porque neste caso, como na maioria dos 32 mil licenciados que segundo o Instituto Nacional de Estatística estão neste momento a trabalhar “a recibos verdes” em Portugal, assumir a indignação poderia equivaler a perder o pouco que tem“.


Assim começa uma reportagem, publica hoje na página 8 do caderno P2 do jornal Público. É mais um testemunho que retrata uma realidade que infelizmente não pára de crescer. Entre os enfermeiros e enfermeiras, como em tantos outros sectores de actividade, a precariedade está a impor-se como regra.

Deixamos aqui alguns excertos da reportagem:

Prometeram que talvez, mas, claro, sem garantias, mesmo que já lhe conheçam as capacidades da semana que ali passou a zelar pela saúde de um idoso, em turnos de seis ou 12 horas, pagos a 6,50 euros à hora – os recibos da sua caderneta comprovam-no, sempre a mesma quantia, fosse trabalho diurno ou nocturno. Aceitou porque acredita que isso lhe permite manter uma porta aberta e porque, no pior dos cenários, vai ganhar experiência para somar ao currículo. Há meses, recusou a proposta de outra clínica para trabalhar a troco de 3,50 euros por hora. “Disse-lhes que por esse preço não ia. E não era porque não precisasse, mas era uma questão de manter uma posição: se todos fizéssemos isso, nunca mais se atreveriam a oferecer esse dinheiro.” Nem todos o fazem. Num sector onde, segundo o Sindicado dos Enfermeiros Portugueses (SEP), há cinco mil trabalhadores precários e cerca de três mil inscritos no Instituto de Emprego e Formação Profissional, dizer “não” é um luxo”.

Entre os que continuam a dizer ‘não’, muitos encontram-se nas caixas de supermercados ou vão ganhando alguns euros em campanhas de lançamentos de perfumes e afins. ‘Ganham cinco euros à hora e fazem umas horas por semana. É pouco mais do que ganhariam numa clínica, mas têm aquela percepção que não se pode aceitar tudo na enfermagem porque, se assim for, a coisa vai continuar a piorar’“.

Não se percebe muito bem, considerando que há falta de enfermeiros no país. Ou antes: há milhares de vagas de enfermagem que continuam por preencher nos hospitais e nos centros de saúde da rede pública. Se dermos como verdadeiras as estimativas da Ordem dos Enfermeiros, faltam 12 mil enfermeiros nos cuidados primários – ou seja, nos centros de saúde – e mais 20 mil nos cuidados diferenciados – nos hospitais. ‘O que se passa é que, com a actual política de restrições orçamentais, as instituições optam por pagar horas extraordinárias’, explica Fátima Monteiro [do SEP]. Caso concreto: ‘No Hospital de S. João, pagam uma média de 1900 horas por mês em cuidados de enfermagem. Feitas as contas, dava para contratar cerca de 70 enfermeiros’“.

‘É uma coisa que não se percebe: o país investe na formação dos seus recursos humanos, para os desperdiçar depois’, lamenta Fátima Monteiro, mostrando-se cansada de ver tantos enfermeiros a emigrar enquanto as vagas por cá continuam por preencher. ‘O recurso ao trabalho extraordinário’, insiste, ‘reflecte-se depois numa menor qualidade dos cuidados prestados ao doente’“.

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