Estivadores no olho do furacão – Entrevista com António Mariano (parte 2)

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Os estivadores que operam os portos em Portugal encontram-se no centro de um conflito em que colidem a austeridade, a precariedade e o desemprego como supostos conceitos de produtividade e modernidade e a ameaça máxima sobre quem trabalha, promovida por governo e operadores. Entrevista com António Mariano, presidente do Sindicato dos Estivadores do Centro e Sul. Ler primeira parte da entrevista aqui.

PI: Conhecemos a chantagem de operadores e Governo sobre o suposto prejuízo ao interesse nacional causado pela greve dos estivadores. Mas para um governo que aposta toda a sua economia numa suposta estratégia de exportação máxima, que tem obrigatoriamente que passar pelo correcto funcionamento dos portos, como analisa este ataque sem precedente do Governo aos estivadores? Não crê que há aqui interesses muito acima da propaganda do governo e que a liberalização das trocas é imposta pela troika e pelos operadores a nível nacional?

AM: Existe uma enorme falácia construída à volta da responsabilidade das greves dos estivadores no mau desempenho da economia nacional, mais propriamente na “menina dos olhos” do governo, as exportações redentoras. Poderíamos até compreender que a nova legislação pretendesse importar boas práticas de modelos de trabalho testadas com sucesso nalguns grandes portos europeus.

Mas a aposta foi exactamente a inversa. Impor a Portugal um modelo laboral liberalizante, precário, escravo mas pioneiro com o objectivo de ser exportado para outros países europeus e para os seus exemplares portos-modelo. Para atingir este objectivo, a economia nacional perdeu, no final de 2012, 1.200 milhões de euros, nas palavras dos donos dos portos e seus porta-vozes. Sem que ninguém possa concluir, antes pelo contrário, que destas alterações legislativas algo de positivo possa resultar para a economia nacional.

A única conclusão que posso retirar deste ataque sem precedentes a um sector profissional é que tudo aconteceu – e continua a acontecer – pela conjugação dos interesses económico-financeiros, por um lado dos enormes interesses globais que a Troika representa, os quais pretendem agora liberalizar a actividade portuária país a país, anos depois de duas Directivas Europeias terem sido rejeitadas e, por outro, dos “pequeninos” interesses particulares das forças que simultaneamente dominam o sector portuário e a galeria governativa.

PI: Qual é neste momento a situação para os 29 despedidos do Porto de Lisboa no final de Junho? E há acções de solidariedade nos outros portos do país?

AM: Os 29 estivadores despedidos recentemente, tal como os 18 que foram afastados em Janeiro, estão a ter o acompanhamento do gabinete jurídico do Sindicato no sentido de impugnar os respectivos despedimentos. Para apoiar estes estivadores despedidos – e enquanto passam por este calvário onde estão mais um milhão e meio de portugueses empurrados por estas políticas de destruição de emprego – estamos a organizar uma campanha de solidariedade, com o suporte do sindicato e dos outros estivadores de Lisboa, aberta a todas as pessoas e organizações que a ela queiram aderir. Em breve daremos mais detalhes sobre esta mesma campanha.

Porto+de+Lisboa

O que é mais revoltante nesta vingança contra os estivadores mais desprotegidos é que todos eles poderiam estar a ocupar diariamente o seu posto de trabalho no porto de Lisboa e foram lançados nesta incerteza ao mesmo tempo que os estivadores que ainda mantêm o emprego estão obrigados a trabalhar 16 ou 24 horas diárias e, muitos deles, impedidos de gozar férias familiares programadas e acordadas para Agosto.

Para cúmulo, assistimos às queixas dos armadores que tocam Lisboa de que são obrigados a desviar navios para outros portos ou ficam sujeitos a grandes demoras em Lisboa. Mas, ao contrário do que as empresas de estiva apregoam, este mau serviço que prestam aos seus clientes nada tem a ver com a greve em curso mas sim com o contingente exíguo de estivadores face às necessidades do porto e principalmente após estes 47 despedimentos e num momento em que Lisboa atinge números record nunca antes verificados no total da movimentação de cargas.

As formas de luta em curso são uma resposta aos ataques verificados nos últimos meses à organização e postos de trabalho dos estivadores de Lisboa pelo que o seu âmbito se circunscreve a este porto, embora os pré-avisos emitidos declarem que cargas e navios desviados para portos próximos não possam aí operar pelas acções de solidariedade dos respectivos estivadores. 

(Amanhã a última parte da entrevista)

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