Governo ataca artistas com o Monstro do IVA
Dossier sobre Assalto ao IVA (aqui, aqui, aqui, aqui e também aqui).
Noticia do Público de hoje:
Até Março passado, actores, chefes de orquestra, músicos e outros artistas não cobravam IVA nos seus desempenhos. Esse era o entendimento que a administração fiscal fazia da isenção prevista no Código do IVA.
A partir de 9 de Março passado, o ofício circulado n.º 30109 da Direcção-Geral de Impostos (DGCI) veio clarificar o conceito de promotor. Apenas ficam isentos de IVA os artistas contratados directamente por um promotor. E a figura do promotor passou a ser restringida àquela entidade que organiza espectáculos ao vivo, devidamente inscritos para tal. Todas as outras situações deveriam passar a ser tributadas em IVA. Ou seja, alargou-se a tributação em IVA a um conjunto de actividades que antes estavam isentas.
Mas houve um compromisso político de que essa nova interpretação apenas seria aplicada para períodos posteriores ao ofício circulado. A chefe de gabinete do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Carlos Lobo garantiu-o em finais de Junho passado aos responsáveis da Gestão de Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes (GDAIE). E o Ministério das Finanças – a seguir a uma notícia do jornal Correio da Manhã – emitiu um comunicado em que se prometeu que “o entendimento da DGCI só vigora para o futuro, nos termos do art. 12.º da Lei Geral Tributária” e que, “por isso, foram dadas as instruções constantes do ofício circulado (..) para que este enquadramento só tenha efeitos a partir dessa data”.
Notificações avançaram
Mas aparentemente estas instruções não foram seguidas pelos serviços tributários. Há semanas que diversos artistas foram notificados para liquidar quantias de IVA referentes a actividades desenvolvidas desde 2004 a 2008. O actor José Wallenstein contou ao PÚBLICO que recebeu uma nota da DGCI de 23 de Outubro passado a pedir cerca de 35 mil euros, já incluindo juros de mora, referentes a actividade desenvolvida entre 2005 e 2008. O actor queixa-se de sempre ter pago os seus impostos, sempre lhe disseram que estava tudo bem e agora tem de prestar uma garantia bancária se quiser protestar e impedir a liquidação.
A GDAIE, numa nota, conta como se desmultiplicou em iniciativas. Apresentou a 24 de Setembro passado à DGCI uma lista de casos. Organizou reuniões com artistas, contratou fiscalistas. E ontem, após pedido de esclarecimento pela comunicação social, o Ministério das Finanças veio reiterar a sua promessa de 1 de Julho passado. “Os erros individuais e pontuais assinalados serão objecto de análise rápida e adequada pela administração fiscal, por forma a que o enquadramento constante do ofício circulado n.º 30109, de 9 de Março só tenha efeitos a partir dessa data, no estrito cumprimento do artigo 12.º da Lei Geral Tributária”.
Mas a mesma nota clarifica que a lista entregue pela GDAIE refere-se a casos de correcção de imposto que “não tiveram como origem a aplicação retroactiva do citado entendimento”, mas sim de “liquidações adicionais feitas a artistas no âmbito de procedimentos de inspecção, por falta de liquidação de imposto, sem qualquer relação com o referido entendimento”. Ou seja, a liquidação irá prosseguir na maior parte dos casos.
Este esclarecimento visa derrubar alguns dos argumentos dos artistas visados quanto à ilegalidade da liquidação. Caso se trate da aplicação retroactiva do novo entendimento da DGCI, os artistas poderiam alegar a própria Lei Geral Tributária (artigo 68.º-A) que impede a aplicação retroactiva “perante os contribuintes que tenham agido com base numa interpretação plausível e de boa-fé da lei as orientações genéricas que ainda não estavam em vigor no momento do facto tributário”. Sendo o resultado de uma correcção de imposto a pagar, o caso parece complicar-se. Resta saber, como adianta a GDAIE, se as inspecções estão a ser feitas com base no novo entendimento, definido em Março.