I. O que quer o Governo? | Contrato único

Sabemos que o novo Governo quer acelerar a implentação de várias medidas que terão profundas consequências na vida colectiva e nos direitos de quem trabalha. Querem fazer muito e rápido, aproveitando a margem da sua recente eleição. Irão procurar uma estratégia comunicativa que justifique os enormes retrocessos que se perspectivam. Grande parte destas alterações terão consequências para os trabalhadores e, em particular, para os trabalhadores precários, que são simultaneamente alvo das medidas e destinatários da sedução propagandística que já está em curso. Por isso, é importante olhar a sério para algumas destas medidas. Hoje começamos com a proposta do “contrato único”.
O programa do Governo refere a “ponderação da passagem para a existência legal de um só tipo de contrato de maneira a tendencialmente acabar com os contratos a termo, enquanto se flexibiliza o período experimental no recrutamento inicial ou introduzindo algumas simplificações no processo de cessação dos contratos” (pág. 32). É definida a intenção de avançar com um “sistema dual”, ou seja: a nova regra será aplicada apenas aos contratos celebrados a partir da sua implementação, que coexistirão com os contratos antigos. Este novo “contrato único” – “único”, porque assim deixariam de existir os contratos sem termo e os contratos a prazo – significará o alargamento do período experimental e ainda maior facilidade nos despedimentos. O Governo diz que esta grande transformação na forma de trabalhar e viver tem como objectivo a defesa da economia e do emprego, bem como o combate à precariedade. Será assim?

Em primeiro lugar, convém relembrar que a preparação desta ideia já tem alguns meses. A introdução na agenda política foi feita pelo grupo “Mais Sociedade”, que, no fundo, preparou as linhas mais agressivas do programa eleitoral do PSD. A ideia nem sequer era nova: em França ou Itália, por exemplo, os governos, marcados por políticas claramente anti-sociais e contra os trabalhadores, já vêm tentando o mesmo, ainda sem sucesso.
O “contrato único” faz inequivocamente parte dum projecto de precarização generalizada da sociedade. Sem reservas, o Governo, em coro com o seu alargado conjunto de comentadores e opinadores, impõe a precariedade enquanto diz estar a combatê-la. Os argumentos, apesar de não passarem em qualquer teste de lógica, ganham força pela repetição: só existe precariedade porque existem direitos, logo é preciso reduzir direitos para combater a precariedade. Querem-nos divididos, a culpar quem trabalha com os direitos a que todos devíamos aceder, enquanto se vão praticando todas as ilegalidades e atropelos em nome da sobre-exploração do trabalho.
Com o “contrato único” perdemos todos. Cumpre-se o sonho dos patrões de terminar com os contratos de trabalho que respeitem e tenham correspondência com as funções permanentes. Aumentará a chantagem sobre o conjunto dos trabalhadores, serão ainda mais facilitados os despedimentos e o poder discricionário das entidades empregadoras. Os trabalhadores estarão definitivamente isolados na relação laboral, num ataque à capacidade de representação e organização colectiva, aos sindicatos e todo o movimento dos trabalhadores, aos contratos colectivos de trabalho.
Sabemos que a resposta à precariedade não é mais precariedade. Sabemos que a precariedade não existe porque existem direitos, mas porque os direitos estão a ser atacados. Sabemos que os trabalhadores, no seu conjunto, são vítimas da precarização e do desemprego. Por todas estas razões, iremos opor-nos frontalmente ao “contrato único” e à propaganda que o pretende justificar.
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