Opinião: O "escândalo" Moody's ou: "Nesta zanga das comadres não se descobrem verdades"

Terror! Escândalo! Drama!
Um pouco por todo o lado jornais, bloggers e comentadores discutem, embasbacados, como será possível que a empresa de rating Moody’s tenha baixado o nível da dívida portuguesa para “lixo”.
Perante o grande esforço e consenso nacional para estabilizar esta desestabilização proveniente da nossa preguiça latina, eis que nos puxam o tapete de debaixo dos pés e nos empurram, já, para mais um empréstimo para podermos salvar a nossa dívida com mais dívida. É verdadeiramente espantoso. Da banca ao governo, da União Europeia ao FMI, todos atacam as malévolas agências de rating que não respeitam nada nem ninguém. As comadres zangaram-se. Mas as verdades continuam por dizer.


As medidas de austeridade extra-picantes que o governo Coelho/Portas anunciou na semana passada, destinadas a aplacar a fúria divina dos mercados, não chegaram para evitar que a Moody’s declarasse que Portugal não é capaz de pagar a sua dívida e que terá de recorrer a mais empréstimos. Passos Coelhos afirmou, escandalizado, que recebera “um murro no estômago”. A nova directora do FMI, Christine Lagarde, também comentou o disparate que é a redução do rating português, país que, aliás, é segundo a senhora o exemplo de unidade política perante a crise que a Grécia devia imitar. Até Durão Barroso criticou, nos tons mais diplomaticamente veementes possíveis, o corte na notação da dívida portuguesa. Na SIC José Gomes Ferreira re-apresentou a batalha euro-dólar como explicação para este corte, que nada tem que ver com critérios técnicos, mas é simplesmente uma acção política destinada a derrubar o euro e enrobustecer o dólar. Os banqueiros exasperavam e até António Mexia da EDP deu uma colherada nesta sopa de dissensão perante o “mercado especulador”.
No entanto, esta animosidade pública demonstrada nada mais é que um espectáculo “para inglês ver”, em que se zangam as comadres, mas ficam por contar as verdades.

O objectivo deste corte da notação até pode ser atacar o euro, mas o seu resultado é uma onda surfada por todos quantos tenham uma prancha de especulação financeira e saque. Portugal, como a Grécia, estão a saque. O FMI esfrega as mãos de contente por poder continuar a desempenhar a sua função politico-ideológica de definir as agendas dos governos que gere, e este corte entrega-lhe nas mãos mais poder, pela chantagem de poder vir a ter de conceder mais um empréstimo ou até a reter algumas tranches quando as “reformas” não avançarem ao ritmo da sua batuta extremista. A UE, que já há muito tempo abdicou de qualquer construção que não seja cavar o fosso entre ricos e pobres, faz o espectáculo que lhe é requerido, da indignação dissimulada perante a crueldade dos mercados. O governo português, apesar de sofrer um revés brutal logo no pontapé de saída, não se deixará abater e seguramente continuará na sua marcha inabalada rumo à austeridade “rigorosa” como o recém-eleito mas já empadrecido Pedro Passos Coelho demonstrará. Estas medidas nada têm que ver com os mercados ou sequer com a economia. Impostas de fora, são um programa centenário da agenda liberal, refinado por personagens como Milton Friedman para conseguir tapar com uma capa de modernidade o regresso do trabalho à era da Revolução Industrial, à remuneração de subsistência, à atomização dos trabalhadores, ao fim da solidariedade que deveria constituir a cola do tecido social. Venderão a preços de saldo aquilo que foi construído com os nossos impostos a vida toda para que se pudesse viver melhor em sociedade. E obrigar-nos-ão a pagar novamente por aquilo que vimos a pagar há anos. Aumentarão os nossos impostos e cortarão nos serviços. Será, e já é, um roubo. Um dos maiores roubos e das maiores burlas da História. O roubo definitivo e transferência de riqueza de quem a produz para quem só a suga. E dirão que é modernidade e liberdade aquilo que trazem. Escreverão que é liberdade mas será escravatura. Será a liberdade deles para nos esmagar.

Não existe qualquer trica entre Moody’s, FMI, UE, imprensa, governo português e banqueiros. Eles estão todos a concorrer para o mesmo fim: a nossa submissão. Claro que se conseguirem esmagar-se uns aos outros no processo fá-lo-ão (até porque assim também sobra mais dinheiro para cada um e já se sabe que o jogo deles é o “Quem morrer com mais brinquedos ganha”).
Não entremos no jogo deles. Eles não estão uns contra os outros. Eles estão contra nós. Até já marcaram uma reunião. Estejamos nós também contra eles. Todos.

João Camargo

http://www.ionline.pt/conteudo/134916-passos-coelho-diz-que-corte-do-rating-foi-um-murro-no-estmago
http://www.youtube.com/watch?v=DYXYBj1K9C4&feature=share
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=494779

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