Livro Verde: precariedade continua a aumentar, mas Governo adia e hesita na implementação de medidas
A nova edição do Livro Verde sobre as Relações Laborais, apresentada na semana passada pelo Governo, confirma um diagnóstico conhecido: a precariedade está instalada e agravou-se ao longo dos últimos anos. No entanto, o Governo adia e remete a necessária alteração da legislação laboral e a implementação de parte das prometidas medidas de combate à precariedade para a negociação na concertação social. No momento em que é apresentado um documento com um retrato alarmante, é ainda mais contraditório e incompreensível condicionar o avanço de medidas que, além de corresponderem a compromissos, são urgentes. O combate à precariedade tem de avançar de imediato e não pode estar dependente da negociação com o infractor.
O documento é extenso e merece uma análise cuidada, mas há dados que saltam à vista e revelam a brutal realidade do mundo do trabalho no país. Nos últimos anos, a precariedade avançou. Apenas considerando as relações laborais com contrato de trabalho – e, portanto, sem contar com situações irregulares como os falsos recibos verdes, trabalho informal ou outras formas de trabalho não declarado –, o documento aponta que mais de 30% dos contratos de trabalho em 2014 eram a prazo. E esta tendência está a agravar-se, uma vez que, segundo o documento, mais de 80% dos novos contratos celebrados em 2014 e 2015 eram precários.
O relatório confirma, portanto, o que já sabíamos e as próprias estatísticas oficiais deixaram de conseguir desmentir: a precariedade é a nova regra. A vulnerabilidade é enorme: a grande destruição de emprego que se inicia em 2009-2010 atinge sobretudo vínculos precários; e os novos “empregos” criados nos últimos anos são, na verdade, formas precários de relação com o trabalho. A este quadro junta-se uma redução brutal da contratação colectiva e uma diminuição drástica da população activa, com cerca de 600 mil pessoas a abandonarem o país entre 2011 e 2015.
Perante este cenário, revelado pelo próprio Governo, é inaceitável que o documento sirva para justificar que as medidas de combate à precariedade sejam adiadas e colocadas na condicional, como sugeriu o ministro Vieira da Silva ou o secretário de Estado Miguel Cabrita. Este compromisso é, além do mais, uma das bases dos acordos que suportam o Governo.
Não há margem para outra coisa, é essa a legítima expectativa dos trabalhadores precários, que estão à espera de uma mudança que foi prometida em medidas concretas: o aprofundamento da lei de combate à precariedade, para assegurar uma efectiva protecção dos trabalhadores e garantir a conversão de todo o tipo de situações precárias em contratos de trabalho; acabar com o abuso mais descarado no trabalho temporário, impondo limites à renovação dos contratos por estas empresas que vivem à custa do aluguer de trabalhadores precários; um novo regime de contribuições para quem trabalha a recibos verdes, para finalmente descontar com regras justas e com base nos rendimentos, com acesso a uma verdadeira protecção social. E também o processo de regularização das situações de precariedade no Estado, que, embora esteja já a arrancar, tem ainda muitas indefinições e terá de garantir que ninguém fica para trás.
O combate à precariedade tem, depois de muitos anos de luta, lugar na agenda política com base em compromissos fortes. Esse é um extraordinário avanço, mas só interessa verdadeiramente se corresponder à sua concretização. É este o compromisso do Governo, não aceitaremos menos que o seu cumprimento. O seu adiamento, as hesitações e a introdução de condicionantes, degradam a confiança que é essencial para finalmente começar um combate a sério à precariedade.
Ver também: versão integral do Livro Verde, disponível aqui.
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