Muita timidez no combate à precariedade – entrevista do Secretário de Estado do Emprego

Em entrevista ao Público este fim-de-semana, o novo Secretário de Estado do Emprego, Miguel Cabrita, abordou algumas das principais questões acerca de precariedade, nomeadamente recibos verdes, contratos a prazo e estágios. Com uma posição muito recuada em alguns destes temas, Cabrita parece querer evitar confrontos com os patrões. A ausência de referências à chaga do Trabalho Temporário e às condições de vida de desempregados e desempregadas continua a ilustrar o compromisso existente entre o governo e as ETT.

cabrita

O posicionamento do governo PS, declaradamente (e inscrito no próprio programa de governo) oposto à precariedade, revela com o avançar do mandato uma timidez crescente. Depois do Ministro da Ciência e do Ensino Superior Manuel Heitor ter defendido também em entrevista a flexibilização do emprego científico e a manutenção do congelamento de quase 15 anos dos salários dos bolseiros, Miguel Cabrita refere que não se devem “diabolizar os estágios profissionais”. Embora o contexto da frase seja mais amplo (e a isso nos referiremos mais à frente), a necessidade sentida por Miguel Cabrita para de algum modo tentar tranquilizar os patrões portugueses, que recentemente vieram pedir uma (ainda!) maior flexibilização do trabalho revela as dificuldades que serão sentidas por este executivo ao pretender amenizar uma situação eminentemente confrontacional, entre patrões que estão habituadas à precariedade máxima e trabalhadores e trabalhadoras precarizadas, que vêm na actual solução governativa uma possibilidade real de melhorias.

Miguel Cabrita faz uma boa avaliação de como o anterior governo Passos-Portas conseguiu, através da utilização do financiamento europeu, disfarçar o número histórico de desempregados através de medidas transitórias do ministério de Pedro Mota Soares, as Políticas Activas de Emprego – estágios, formações, Contratos Emprego-Inserção, subsídios formações. Terminado esse gigantesco financiamento à precariedade e à camuflagem do desemprego – que custou segundo o Secretário de Estado 900 milhões de euros em 2014 e 2015 – Cabrita alerta para o facto de haver uma redução de financiamento.

Apesar dessa análise crítica à opção do governo da troika de camuflar o desemprego com trabalho precário financiado pelo Estado, Miguel Cabrita é extremamente relutante em atacar medidas de uma iniquidade injusta como os Contratos Emprego-Inserção, que obrigam 50 mil pessoas a trabalhar gratuitamente para o Estado e a manter o aparelho autárquico em funcionamento.

Também os estágios profissionais são abordados com elevada cautela: Cabrita invoca a necessidade de não diabolizá-los pelo seu potencial de serem “utilizados para gerar uma oportunidade justa de alguém aceder a um emprego”, embora critique a realidade inequívoca de que os estágios na sua maioria não darem origem a contratos de trabalho. Segundo o Secretário de Estado “Um estágio ou dá origem a um contrato de trabalho autónomo sem precisar de ser subsidiado, ou então tenho muitas dúvidas de que possamos incorporar isto no êxito dos estágios.”. Então, apesar de reconhecer a realidade de que os estágios são a ferramenta para utilização abusiva de mão-de-obra barata com patrocínio do Estado “temos uma panóplia de políticas que permitem que muito facilmente as empresas joguem com isto e as pessoas andem neste circuito”, recusa-se a tomar uma posição sólida, remetendo para um futuro (quando?) processo de avaliação do sucesso das Políticas Activas de Emprego.

Sobre a dissuasão da utilização de contratos a termo, apresentada com insistência no programa do Governo, Cabrita destacou uma solução de diferenciação da TSU com diminuição de 1% dos contratos permanentes e subida de 3% para os contratos a termo, ou outra penalização das empresas que recorram excessivamente a contratos a termo. Esta proposta não teve até ao momento qualquer consubstancialização, e aparece num momento peculiar, quando há duas semanas a CIP propôs estender ainda mais os contratos a prazo. É de recordar que a pequena subida do salário mínimo nacional teve como contrapartida para os patrões uma descida da TSU. A descapitalização da Segurança Social continua a ser um problema evidente quando os patrões nunca aceitam perder o seu poder absoluto e o governo cede às chantagens dos mesmos, reforçando a precariedade e o desemprego.

No que diz respeito aos recibos verdes, continua a ser a área em que os avanços parecem poder ser iminentes: Cabrita propõe a avaliação da Lei nº 63/2013 para melhorar o processo de reconhecimento dos falsos recibos verdes e a conversão em contratos de trabalho e repensar os modelos contributivos. Os Precários Inflexíveis não têm qualquer dúvida sobre isto: é preciso um novo modelo de contribuições para os recibos verdes e rever a Lei de Combate aos Falsos Recibos Verdes para poder proteger ainda mais as centenas de milhares de pessoas que nos país ainda estão nesta situação.

Finalmente a ausência de qualquer referência ao Trabalho Temporário, embora o mesmo afecte mais de 400 mil pessoas no país, é um sinal de que não nos devemos esquecer do passado: este ainda é o PS de Vitalino Canas, o ainda deputado que um dia inventou que era Provedor do Trabalho Temporário.

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