Novo paradigma ou novo estratagema? – Debate abriu a discussão pública sobre a “uberização” das relações laborais

 

Decorreu na passada quinta-feira, no MOB – Espaço Associativo, o debate sobre a “uberização” das relações laborais, organizado pela Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis e pelo Centro de Estudos Sociais. A conversa contou com a presença da Mafalda Brilhante, da Associação de Combate à Precariedade, Nuno Teles, do Centro de Estudos Sociais, e Daniel Oliveira, jornalista com vários artigos publicados sobre este assunto.

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A chamada “uberização” do trabalho, gig economy, ou economia da partilha só entrou recentemente no léxico económico e social. Apesar do seu nome emanar do mediático arquétipo deste modelo – Uber, plataforma digital que faz a ponte entre clientes e motoristas que prestam serviços de transporte personalizados –, são várias as plataformas tecnológicas, com mais ou menos variações, que “ligam” pessoas que detêm certos bens ou serviços a pessoas que deles querem usufruir, transformando o trabalhador num prestador de serviços independente.

Para Mafalda Brilhante, a questão assenta em dois grandes pilares: globalização desregulada e tecnologia. A problemática, apesar de só recentemente ocupar o espaço mediático, vai buscar as suas raízes a um passado mais distante, que advém do desenvolvimento destes dois pilares, os quais atingem larga escala nos dias de hoje. Mas mais do que a discussão entre conservadorismo e progresso tecnológico ou do que a luta pela concorrência, o “chapéu aglomerador de tudo isto é a precariedade”. E lança o desafio: como mobilizar os vários agentes sociais e económicos para travar esta crescente precarização?

Nuno Teles colocou a tónica sobre o modo como a tecnologia afecta a produção e as relações laborais, no sentido em que transforma a natureza dos postos de trabalho. As plataformas digitais intermediárias entre o cliente e o trabalhador nada acrescentam de produtivo. Neste contexto, Nuno Teles trouxe duas visões opostas acerca desta previsão de escassez de trabalho, que é atribuída ora ao desenvolvimento tecnológico (Martin Ford), ora à falta de tal desenvolvimento. Os avanços tecnológicos, desde a máquina a vapor até à inteligência artificial, têm sido determinantes na evolução das relações laborais, mas os desafios que hoje enfrentamos encontram algumas semelhanças com os do passado. Perceber o efeito desta evolução é essencial , a fim de evitar a degradação do trabalho.

Para Daniel Oliveira, o modelo das plataformas digitais desresponsabiliza completamente as empresas. Os trabalhadores ficam sujeitos a uma relação laboral precária, deixando do seu lado o ónus dos riscos inerentes à atividade, ao mesmo tempo que lhes são vedados os direitos de proteção social como subsídio de doença, parentalidade e desemprego. Adicionalmente, uma parte substancial do montante cobrado ao cliente pelo serviço prestado, que varia geralmente entre 20 e 30%, perde-se para a plataforma, que na realidade não produziu qualquer bem ou serviço, emagrecendo o rendimento do trabalhador. Mas para além da problemática da perda de direitos e de rendimentos, Daniel Oliveira abordou também a questão mais abrangente da avaliação dos prestadores do serviço/trabalhadores pelos clientes. Para o jornalista, a cultura de “ser servido” dá lugar a uma relação potencialmente ditatorial entre estes dois agentes.

Foi um debate extremamente enriquecedor, amplamente participado pela assistência, onde se esclareceram conceitos e onde surgiram reflexões económicas, políticas e sociais. A iniciativa marca o início de uma discussão pública em Portugal, que é urgente e premente, mas que está longe de acabar e que precisa de soluções. Este foi um importante primeiro passo para uma consciencialização mais abrangente do problema do trabalho precário associado às plataformas digitais. Está lançado o repto.

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