O embrutecimento da sociedade
As imagens que nos chegam da Grécia, de centenas de pessoas a rodear camiões que distribuem comida na expectativa de conseguir levar algo para casa, espelham a nova Europa da austeridade. Chocaram muita gente, mas infelizmente vão-se tornando cada vez menos chocantes. A avalanche de notícias acerca da lei da selva que cada vez mais prepondera na Europa desumaniza os seus cidadãos e cidadãs, normalizando crescentemente o inaceitável. O futuro criado pela política económica da Europa é sub-humano, privando-nos da Humanidade que tem de pautar as vidas e as comunidades.
A violência das imagens captadas remete-nos para fotografias históricas da 2ª Guerra Mundial ou das populações dos países litigantes imediatamente após o fim da guerra. Não fossem as fotos a cor e poderíamos pensar tratar-se de uma recordação de passados aos quais não quereríamos voltar. A comida era distribuída por agricultores em protesto contra o aumento do custo dos factores de produção (água, energia, fertilizantes) em frente ao Ministério da Agricultura. Quando as pessoas na fila se aperceberam que os vegetais começavam a acabar, precipitaram-se numa assalto aos camiões, de que as fotos prestam testemunho. Atenas é hoje, segundo visitantes, uma cidade do Terceiro Mundo. Isso ocorreu muito rapidamente, e coincide com a política de austeridade. Nos parques da cidade é frequente o corte de árvores para queimar em casa, para aquecimento. Alguém cortou os restos de uma oliveira milenar, sob a qual se dizia que Platão tinha dado aulas. Os móveis de madeira também são queimados perante a necessidade de calor. Um fumo denso, com cheiro a madeira, cobre a cidade, mais poluída do que de costume.
Não existem imagens registadas com este impacto em Portugal. Mas a chegada de carros comida à noite com comida vêm arremetidas de dezenas pessoas nas ruas de Lisboa. Um pouco por todo o país, diversas distribuições de comida e outros víveres vão-se tornando regra para uma fatia crescente da sociedade, que acorre em necessidade total. Por todo o país o roubo de fios de cobre deixa muitas vezes bairros e aldeias sem luz. As placas metálicas dos correios desaparecem, sinais de trânsito, placas de exteriores, peças de alumínio, tudo vai sendo furtado por uma franja crescente de pessoas na miséria, que espera conseguir trocos ou comida por troca dos pequenos objectos brilhantes. E o embrutecimento, a normalização destas situações vai-nos afastando crescentemente da justiça e das justas aspirações por uma sociedade decente e vidas decentes. Mas o que dizem os defensores e implementadores do regime da austeridade é que a decência não tem valor de mercado. Que não serve para pagar a dívida pública, que não sustenta o Serviço Nacional de Saúde ou a Escola Pública. Que a competitividade se fomenta com a precariedade, com a facilidade de despedir e com os cortes nos apoios sociais.
A fome rende. É rentabilizável. Embrutece a sociedade e leva à aceitação do inaceitável. É inaceitável que o BPN receba o dinheiro que é cortado no Estado Social. É inaceitável que a Segurança Social obrigue mulheres que querem ter filhos a abortar. É inaceitável que 72% das pessoas não consigam pagar as contas ao fim do mês, enquanto o PSI-20 tem o maior lucro desde 1998. É inaceitável que se implementem leis de arrendamento que despejarão milhares nas ruas. É inaceitável que se votem à porta fechada leis que privatizam a água. É inaceitável que banqueiros que ganham milhões digam que os outros hão-de aguentar a austeridade. É inaceitável que doentes em pós-operatório tenham de ir a pé para casa porque não têm dinheiro para pagar a ambulância. Tudo isto são apenas episódios (alguns) desta semana. Estamos a ser desumanizados. Precisamos indignar-nos seriamente. Antes que percamos aquilo que faz de nós humanos.
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O estado do capitalismo selvagem vai destruir toda a estrutura social que nos tem mantido num contexto de civilização. O Homem se ficar destituído das instituições que o têm protegido dos mais poderosos e da sua ganância pelo poder, perecerá. Será o retorno à barbárie, com milhares de mortos pelas ruas, tal qual como na selva, estaremos sós e desprotegidos. Dó não consigo entender porque não nos indignamos e patronos armados para as ruas.