Opinião: A estrondosa derrota de Merkel
Na 6ª feira os jornais anunciaram a uma só voz: Merkel e a sua política recuaram, a chanceller foi derrotada, cedeu, concedeu. A Cimeira Europeia foi um sucesso para os finalistas Espanha e Itália que conseguiram excelentes acordos para os seus países. Estas notícias encomendadas alteraram até a perspectiva de que as notícias são o que se escreve nos intervalos da publicidade. A estrondosa derrota de Angela Merkel já nem é uma notícia escrita no intervalo da publicidade. É só publicidade. E enganosa.
Houve jornais que adoptaram um tom intimista, relatando que Merkel admitiu que tinha havido polémica na Cimeira, que falou pelo menos 10 vezes com Monti e que se divertiu com Hollande. Mas foi muito mais que isto o que se passou na Cimeira Europeia da semana passada. Muito foi o alarido sobre as “ameaças” de Espanha e Itália, caso a cimeira não implementasse medidas de curto prazo para travar a subida dos juros (através do MEE ou do FEEF) mas, como previsto, tudo acabou bem. Das principais propostas aprovadas, destacam-se:
– Um pacto de “crescimento” de 120 mil milhões de euros para aplica a nível europeu em medidas que fomentam o crescimento através do Banco Europeu de Investimento, utilizando fundos estruturais e emitindo obrigações europeias para projectos específicos de infra-estruturas, transportes e energia;
– A operacionalização do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) e do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) para comprar directamente dívidas públicas (em particular de Espanha e Itália);
– A criação de um mecanismo europeu de supervisão financeira da zona euro comandado pelo Banco Central Europeu e;
– A introdução de nova taxação sobre as transacções financeiras na zona euro.
O mecanismo europeu de supervisão financeira da zona euro será implementado até ao final de 2012 e liderado pelo BCE e com capacidade de intervenção directa do banco sobre a zona euro. A indefinição sobre objectivos concretos e intervenções concretas leva a pensar que este mecanismo poderá vir a ter um nome simples: Ministério Alemão das Finanças Europeias.
As declarações públicas dos participantes da cimeira e a avaliação da imprensa, concluíram no entanto que se havia quebrado o modelo dos memorandos da troika, criando a possibilidade de resgates específicos, não abrangendo o Estado, como no caso da banca espanhola. O modelo de Merkel estaria quebrado. Na verdade, Merkel obteve na cimeira as contrapartidas para aprovar o tratado orçamental na Alemanha e Hollande também afirmou na cimeira que, ao contrário do prometido na campanha, vai aprovar este tratado.
Segundo as próprias conclusões oficiais não acabarão os memorandos ou a austeridade pura e dura. Deixarão de haver inspecções periódicas pela troika de credores mas continuarão a haver memorandos. Provavelmente terão outro nome, mas os “acordos de entendimento” continuarão a implicar respeitar as regras de ajuda aos estados membros da zona euro, e continuarão a ser impostas medidas de austeridade (foi frisada por Van Rompuy e Barroso a necessidade de cumprir recomendações específicas para cada país, cumprimento de prazos do Pacto de Estabilidade e Crescimento, correcção dos desequilíbrios macroeconómicos e redução dos défices estruturais).
Os resultados práticos da austeridade estão à vista em todos os países intervencionados, mas Portugal continua a ser um exemplo tragicómico: o desemprego já disparou para os 15,2% (oficiais, mas que mascaram também cerca de 1,3 milhões de desempregados), a recessão é de 3% e o próprio défice agravou para os 7,9% (3,4% acima do previsto). E é justamente neste país que o governo mais defende o fundamentalismo da receita austeritária. O teatro europeu da semana passada, no entanto, demonstra pela primeira vez alguma timidez na defesa aberta da austeridade, que tem destruído todas as economias em que é aplicada. A hegemonia começa a estalar. O sinal dado nesta cimeira é, em termos práticos, de que não há quaisquer alterações relevantes à política de austeridade, mas que começa a ser preciso mentir mais descaradamente, pelo que foi necessário criar uma operação mediática para afirmar o contrário disto mesmo, destacando a “derrota de Merkel” e a “vitória” de Espanha e Itália. A estrondosa derrota de Merkel foi na verdade mais uma vitória para o modelo de economia extremista de austeridade que leva as populações ao desemprego, à precaríedade, à miséria e ao êxodo. Só que desta vez o champanhe teve que ser aberto atrás de portas fechadas.
João Camargo






