Opinião: As muitas caras da Frau Merkel

A poucos dias das eleições alemãs (22 de Setembro), publicamos este artigo de opinião, que nos foi enviado por um companheiro anglo-alemão, Mark Bergfeld, que esteve presente na Greve Geral de 14 de Novembro em Portugal com os Precários Inflexíveis.
O diamante, imagem de marca da marca Merkel
O diamante, imagem de marca da marca Merkel

“As revoltas eleitorais abanaram a Europa nos últimos dois anos e meio. Desde a eclosão da crise da dívida, 17 governos nacionais na União Europeia caíram ou foram substituídos em eleição – 12 deles em países membros da Zona Euro.

As eleições que vão ocorrer esta semana na Alemanha são um jogo diferente. Foram qualificadas como “as mais aborrecidas eleições federais de sempre”. É certo que Angela Merkel manter-se-á como chanceler alemã durante os próximos quatro anos. A eleição em si apenas responderá se o Partido Democrático Livre (FDP), o parceiro de coligação de Merkel, manter-se-á no poder ou se será substituído pelo Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) numa coligação maior (bloco central). Merkel e a sua União Democrata-Cristã da Alemanha (CDU) preferem a primeira opção. A coligação CDU-FDP não é nenhuma garantia de prosperidade, mas permite que Merkel domine por direito de personalidade e compense as fraquezas políticas da coligação.

Enquanto a marca Made in Germany está associada a engenharia de elevada precisão por todo o mundo, a marca Merkel requer alguma explicação.

A déspota, a pop star e a oportunista

A história começa em Portugal em 2012. A 12 de Novembro, dois dias da Greve Geral no Sul da Europa, a Chanceler Merkel visitou Lisboa. Depois de dezenas de milhares se manifestarem contra Merkel em Atenas, esperava cenas semelhantes num país mergulhado na crise e nos protestos. Estava enganado. A manifestação naquela segunda-feira à tarde apenas atraiu algumas centenas de pessoas sob a bandeira “Fora Merkel!”. A polícia de choque e as grades metálicas separavam os manifestantes do Palácio Presidencial onde Merkel se encontrou com os membros do governo português. Um pequeno grupo de manifestantes vestidos de palhaços transportavam uma efígie de Merkel com uma grande swastika a cobrir-lhe o peito. Quando a manifestação não conseguiu romper as linhas da polícia, eles queimaram a efígie. Um acto de desespero contra a líder de facto da Europa.

A mulher mais poderosa do mundo – se acreditarmos na Forbes – é uma figura que provoca ódios profundos na Europa do Sul: Frau Merkel, a déspota.

No entanto, na Alemanha o quadro é bastante diferente. Enquanto o antigo presidente francês Nicolas Sarkozy teve que casar com uma pop star, Angela Merkel é ela própria uma pop star – e sabe-o. Ela domina o efeito-Facebook – a acumulação primitiva de “likes”. Como uma adepta fervorosa de futebol, assiste regularmente aos jogos da selecção alemã. Quando ela celebra um golo, todo o país vibra.peer-steinbrueck-stinkefinger

Os momentos televisionados pertencem-lhe. O gesto-assinatura que Merkel faz com as mãos, o Diamante ou “Merkel Rhombus” – tornou-se um gesto de mãos famoso a nível mundial. É tão popular que a CDU colocou um cartaz gigante no centro de Berlim com este gesto. Já não é preciso o logo do partido. Em resposta Peer Steinbruck, do SPD, recorreu a mostrar-lhe o dedo do meio numa entrevista com o Süddeutsche Zeitung. Merkel continua a marcar pontos.

Para o anterior chanceler alemão, Helmut Kohl, ela era mein Mädchen (a minha miúda), para os eleitores ela é simplesmente Mutti (mãe). A Mädchen tomou o controlo da CDU numa altura em que o partido estava fortemente atingido por escândalos financeiros. Sacrificou o seu mentor, Kohl. A Mutti levantou “o homem doente da Europa”, tirando-o da crise. A receita para o sucesso: altos níveis de produtividade associados a baixos custos do trabalho e uma segurança social em declínio. Angie sabe como ser uma mãe e uma filha ao mesmo tempo. Como a primeira chanceler mulher e primeira chanceler da Alemanha de Leste, teve que dar provas de si mesma – em particular ao seu partido conservador.

Para muitos conservadores ela é muito social-democrata. Para os sociais-democratas ela é demasiado neoliberal. Para os meus pais, que foram recentemente entrevistas para um jornal alemão, Die Tageszeitung, ela era a Power-Frau (Senhora do Poder) e demasiado nacionalista. Num debate televisivo recente um dos moderadores insinuou que Merkel não corresponderia ao perfil de eleitora da CDU se respondesse com honestidade às perguntas do inquérito político Wahlomat. Frau Merkel, a oportunista.

Conservadorismos diferentes

Ao contrário dos seus congéneres conservadores pela Europa e Estados Unidos, que invocam o medo – islamofobia, homofobia, etc. – para ganhar apoio popular, Merkel redefiniu o populismo conservador. Ela permite que o público projecte nela mesmo as suas esperanças de estabilidade e segurança num mundo incerto. Ao fazê-lo, ela alarga a noção do que o conservadorismo significa na Alemanha do séc. XXI e além dela. Durante as conversações para a adesão da Turquia à UE, ela reverteu todas as sondagens, opondo-se à entrada da Turquia na UE, em detrimento de uma “parceria especial”.

Num encontro de jovens conservadores em 2010, ela lamentou que as tentativas de construir uma sociedade multicultural na Alemanha tivessem “falhado redondamente”. No mesmo evento condenou as declarações racistas de Thilo Sarrazin, deputado do SPD. Como antiga chefe de Agitação e Propaganda na Academia de Ciências da Alemanha de Leste, ele prefere usar a noção de “consolidação orçamental” a “cortes” ou “austeridade”. De facto, a sua governação é tão tecnocrata como a dos líderes não eleitos, como Mario Draghi do Banco Central Europeu. Qualificando as medidas impostas ao povo grego como alternativlos (sem outra alternativa), provocou alguma desconfiança até na mais dócil imprensa alemã.

É claro que comparações com Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, nunca estão longe. Estão deslocadas, no entanto. A coligação SPD-Verdes de 1998-2005 preparou o terreno para a história de sucesso de Merkel. As reformas laborais de Hartz enfraqueceram a posição negocial dos sindicatos antes da entrada de Merkel. Ironicamente, foram também os verdes e vermelhos que rasgaram o consenso pela paz no pós-guerra da Alemanha, ao enviar tropas alemãs para o Kosovo em 1999 e para o Afeganistão em 2001. O caminho para Merkel estava aberto. Como líder da oposição ela até tinha insistido em apoiar os americanos no Iraque em 2003. No entanto, durante o seu reinado a Alemanha absteve-se de participar no bombardeamento do Líbia. Por estes dias o seu governo mantém-se firmemente contra o envolvimento alemão na Síria. Merkel não tem vontade de bombardear crianças inocentes, embora esteja mais que disposta a autorizar exportações crescentes de armas para manter a máquina de export da Alemanha a funcionar tranquilamente. Entre 2005 e 2009 as exportações de armas pela Alemanha duplicaram. Frau Merkel, uma senhora de armas.

Se Thatcher deu o exemplo privatizando a Grã-Bretanha e destruindo os sindicatos, Merkel ficará conhecida por ter transformado a Europa numa Alemanha. Ela cria países à sua imagem: mercados de exportação para bens alemães. Os jovens desempregados em Espanha ou na Grécia são apenas danos colaterais no projecto de construir um forte entre economias endividadas e Estados falhados. Porque é que ela deveria fazer força e mostrar os dentes se tem um eleitorado fiel em casa e chefes-de-estado e elites económicas subservientes por toda a periferia europeia? Não é por acaso que se utiliza a palavra alemã Realpolitik para descrever a política maquiavélica (ou merkiavélica).

Política Merkiavélica

Como pudemos ler em Maquiavel, a política não é uma ciência mas uma forma de arte. E Merkel é uma artista. Picasso disse um dia que “os maus artistas imita, os bons artistas roubam”. Frau Merkel – a artista e a ladra. Antes da cimeira do G8 em Heiligendamm em 2007, ela rapidamente navegou pelo Mar Ártico para roubar o tema das alterações climáticas aos activistas e ambientalistas. Depois do acidente de Fukushima ela roubou a proposta base do Partido Verde para encerrar as centrais nucleares alemãs. Os seus maiores rivais, o SPD, acusam-na de roubar os seus principais temas eleitorais: desemprego juvenil, um tecto para as rendas, o ordenado mínimo. Merkel não é bem sucedida e inovar ou a tomar iniciativa. É bem sucedida a roubar.

Milhões de trabalhadores do Sul da Europa têm a sua democracia roubada. Não têm qualquer influência sobre quem toma posse em Berlim, embora vivam sob as directivas de Merkel, através da União Europeia e do Banco Central Europeu. Isso está fora de questão na Alemanha. Os cartazes eleitorais têm escrito “Gemeinsam erfolgreich” (Juntos no Sucesso). Mostra Merkel numa conversa com alguém que não se vê no cartaz. A mensagem é: Merkel ouve.

A verdade é que não ouve – nem a cabeleireira que trabalha por 4 dólares por hora nem os 1,2 milhões de crianças que vivem em pobreza absoluta. E porque é que devia ouvir? O votante médio está mais interessado em ouvir falar sobre o colar que ela usou no debate televisivo.”

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