Este cientista é uma pessoa comum… e um trabalhador precário como a maioria da população ativa
O projeto fotográfico “The People of Science” pretende mostrar a realidade da ciência em Portugal, feita por «seres humanos absolutamente normais». O que as fotografias de Roberto Keller-Pérez não mostram é a outra realidade, a das condições de trabalho destas pessoas que infelizmente também as tornam comuns – são muitas entre milhões que hoje são trabalhadores precários ou estão desempregados. Fazem parte da realidade composta por 54% da população ativa portuguesa.
A precariedade na investigação científica reflete-se sobretudo na ausência de um contrato de trabalho e os demais direitos laborais e sociais associados. Quando 80% da produção científica é assegurada por bolseiros e bolseiras sem perspetivas de carreira, sem acesso a subsídio de desemprego ou até mesmo a uma contratação precária, subordinados a uma lógica de máxima concorrência, a ciência e o conhecimento tornam-se também precários e o país mais pobre e menos desenvolvido, mais pequenino e miserável.
Além de tudo isto, acrescem as ideias pejorativas de que os investigadores científicos são afinal privilegiados por poderem fazer aquilo que gostam ou são então pessoas que pensam, investigam, leem, fazem experiências, escrevem, em suma atividades que aparentemente não podem ser consideradas «trabalho».
Por isso, o desafio proposto a Roberto Keller-Pérez é interessante também porque permite desbloquear preconceitos. Foi-lhe pedido que fotografasse cerca de 300 cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, durante um mês, no seu ambiente de trabalho. “Sendo eu próprio um cientista, usei este projeto como uma oportunidade para captar o aspeto humano e quotidiano da investigação científica, numa tentativa de atenuar o equívoco comum de que a ciência é um assunto fora do alcance das pessoas”, explica Keller-Pérez no texto de apresentação deste projeto de comunicação de ciência, citado pelo P3.
Para Keller-Pérez, os cientistas são “pessoas comuns” mas, ao mesmo tempo, “extraordinárias na sua paixão por saber mais”.
Queremos saber mais e já agora um contrato de trabalho e um investimento público na ciência e no conhecimento digno de um país que quer sair da crise e romper o ciclo da estagnação.
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