Opinião: Obviamente, não se demite.

Obviamente, não se demite.


72 horas passadas sobre a vinda a lume do mais recente escândalo relvático, já se pode concluir com relativo grau de certeza que as consequências – pelo menos as políticas – deste episódio serão as habituais: nenhumas. Já vem sendo habitual nesta desabrida democracia que no séc. XXI habita o país que o mar não quis: faças o que fizeres, digas o que disseres, aconteça o que acontecer e, sobretudo, custe o que custar, não te demitas. Se fores titular de um alto cargo o mais certo é que ninguém o fará por ti.


Ainda o todo-poderoso-ministro-sem-pasta, ou, como se diz agora, Ministro dos Assuntos Parlamentares (toda a gente sabe que a Comunicação Social é um assunto parlamentar) Miguel Relvas não era ministro e já se pressentia que, quando o PSD conquistasse o poder, aquela personagem viria a tornar-se protagonista da novela governativa. E assim foi, desde o primeiro instante. Não vale a pena fazer aqui o historial das mais que conhecidas ligações perigosas de Relvas nem explicar o verdadeiro lugar que o senhor ocupa na arquitectura governamental. Tornar-se-ia demasiado fastidioso e tal exercício só serviria para cavar mais fundo esta depressão que nos anima numa altura em que até o anticiclone dos Açores tem andado arredio.

Mas talvez não seja extemporâneo lembrar que ainda há dias a Comissão de Trabalhadores da RTP sublinhava a sua falta de confiança no Ministro que tem nas mãos o futuro daquela casa, uma notícia que parece ter passado relativamente desapercebida no meio de tanta oportunidade de distracção. Efectivamente, se dinheiro não há, o que não falta neste Portugal ao fim de um ano de Troika são faits-divers para alimentar os noticiários e as páginas de jornais. Talvez por isso o Público – ou melhor, a direcção do mesmo – tenha considerado que não era de interesse público – passe a repetição – tornar públicas – desculpem outra vez, não consigo dizer isto de outra maneira – as manobras censórias – pode-se dizer censórias? – de Relvas. Nem sequer quando elas se repetiram por três vezes. Nem sequer quando o Conselho de Redacção, suponho que fruto de uma decisão colectiva, opinou de forma diferente. Apesar de considerar as pressões do ministro “inaceitáveis“, a Direcção do jornal escolheu o mesmo adjectivo (inaceitável) para classificar o comunicado do Conselho de Redacção, afirmando que este distorcia os factos mas não explicando de que forma. E, por mais que seja aceitável – embora discutível – a posição política – pois é disso que se trata – do Público em não divulgar pressões do poder que não se tornem ilegais (e de direito não percebo nada, mas parece-me difícil que a ameaça de enxovalhamento em praça pública da vida privada do jornalista pudesse ter um pingo de legalidade que fosse), já o facto de uma Direcção se posicionar publicamente contra o Conselho de Redacção do seu jornal me parece no mínimo criticável e mais: sinal de que há qualquer coisa de podre na república portuguesa.

Dito isto e passados em branco os comunicados dos trabalhadores dos OCS (para quem não sabe, Orgãos de Comunicação Social), após os desmentidos oficiais e o alegado pedido de desculpas por um crime – ou, vá, por uma pressão legal, embora inaceitável – que afirma não ter cometido, uma coisa é mais certinha que dois e dois serem quatro: obviamente, nem o homem se demite nem é demitido.

E se, por consequência directa de mais este episódio neste país de brandos costumes, porventura o coiso vier a aumentar, será pela “dispensa” de mais algum/a jornalista…

MZ

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