Oportunidade (?) para locutores

Chegou ao conhecimento dos Precários Inflexíveis este anúncio para uma audição de candidatos a serem agenciados pela Voz-Off, “uma das marcas de referência na área da Voz e da Locução em Portugal”, como a própria se denomina. Sabendo que as audições são um modo normal de recrutamento de trabalhadores na área artística, esta audição apresenta um pormenor curioso, é preciso o pagamento de uma propina de inscrição de 55,35 euros.

A agência tenta justificar este facto com a necessidade de aluguer de material, pagamento a funcionários para que as audições sejam realizadas, etc., afirmando que lhes parece correcto este valor ser pago com um princípio mutualista. Diz também que é uma medida de pré-selecção de candidatos por anteriormente terem aparecido “curiosos” sem a mínima preparação e noção do que é necessário para este trabalho.

Tentando perceber e compreender estes argumentos, os Precários Inflexíveis só os podem repudiar. Em primeiro lugar, – e sabendo que não se trata de uma audição para um trabalho concreto mas sim uma audição para futuro agenciamento – esta é uma forma de a Agência Voz-Off conhecer mais pessoas para a sua base de recrutamento, pessoas que investiram na sua formação e que querem trabalhar, não querem pagar para trabalhar. A Agência Voz-Off não poderia apresentar aos seus clientes comerciais um produto de qualidade sem estes trabalhadores qualificados, quer pela formação, quer pela experiência.

Em segundo lugar, há várias maneiras de fazer pré-selecção de candidatos, esta não nos parece válida e pode excluir algumas pessoas que, por serem obrigatoriamente intermitentes na sua profissão, não têm capacidade de dispensar esta quantia para procurar trabalho. Os Precários Inflexíveis acham que a prática corrente em Portugal de terem que ser, quase sempre, os trabalhadores das artes a irem procurar alguém que os possa empregar, não só é errada, como vicia este mercado de trabalho.

Em última análise, o intuito desta agência é obter lucros com os seus trabalhadores e não é justo que o façam com alguém que ainda nem sequer faz parte do seu quadro de agenciados, visto que o valor desta propina de inscrição não é reembolsável seja qual for o resultado.

Esta é mais uma prova de que os trabalhadores do meio artístico estão a ser cada vez mais deixados ao sabor do vento e que são dos que mais sofrem com a precariedade laboral. Esta situação é ainda mais grave por sabermos que a intermitência é uma característica intrínseca a este tipo de profissões.

O aumento de pedidos de trabalhadores para produções artísticas não remuneradas tem vindo a aumentar exponencialmente; as situações de trabalho ilegal (como “falsos recibos verdes”) são uma prática comum neste meio, atingido uma percentagem demasiadamente significativa dos seus trabalhadores; os salários pagos na última década, praticamente não foram revistos tendo diminuído em muitas áreas deste meio.

Esta audição paga, é mais uma prova de que a precariedade na intermitência está aí para durar e que, com a quase certa extinção do Ministério da Cultura já prometida pelos membros do novo governo, a única perspectiva é que aumente.

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