Os apoios de João Proença

João Proença declarou ontem que a UGT apoia a recandidatura de Durão Barroso à presidência da Comissão Europeia: “depois do resultado destas eleições europeias, consideramos que há todas as condições para que este Conselho Europeu possa aprovar a indigitação de Durão Barroso como presidente da Comissão, uma indigitação que a UGT claramente apoia“. O anúncio foi oportunamente feito à saída dum encontro com o primeiro-ministro José Sócrates, outro conhecido apoiante do candidato-Durão.

Este apoio, em condições normais, teria que surpreender. Durão Barroso representa a onda fanática liberal que nos conduziu à crise e está entre os que agora a aproveitam para nos fazer pagar por ela. Entre outras que tais, “José Manuel” passou o seu mandato, que agora cessa, a tentar impôr uma directiva comunitária que autorizava a semana das 65 horas de trabalho na UE – que, recorde-se, foi travada no Parlamento Europeu no final do ano passado e abandonada (até ver) em Abril último. Dificilmente se pode argumentar que o homem que fugiu do Governo português rumo a Bruxelas represente na Europa os interesses dos trabalhadores.

Infelizmente, João Proença já não surpreende. Quis ser um dos rostos do acordo para legitimar a revisão do Código do Trabalho, que está em vigor desde Fevereiro e cujo conteúdo o PI cedo tentou “traduzir para português”, a partir da propaganda montada para o apresentar – despedimentos facilitados, flexibilidade obrigatória e legalização da precariedade. Com a evidência da crise, juntou-se com facilidade às vozes que aproveitam para nos chantagear com o desemprego e impôr-nos a precariedade e a subtracção de direitos. Ontem, enquanto anunciava a sua simpatia por Durão, ainda ensaiou uma “preocupação” com os paraísos fiscais – uma coisa e a outra só podem andar juntas com muito descaramento e com alguma hipocrisia que a crise conseguiu sublinhar.

Curiosamente, João Proença recebeu hoje, em nome da UGT, a Ordem de Mérito, entregue por Cavaco Silva – uma condecoração que habitualmente é atribuída pelo Presidente da República no 10 de Junho. A este propósito, o secretário-geral da UGT diz que é “merecida” e que vem “na altura própria”. Ou seja, depois de esgotado o “processo UGT”, em que a central sindical era acusada de fraude na captação de subsídios comunitários… Mas, dito assim, parece que é também uma espécie de prémio pelas “ajudas” dos últimos tempos. Talvez: “a UGT merece essa condecoração pelo trabalho que tem desenvolvido na consolidação da democracia em Portugal, do diálogo e da concertação“. São palavras de circunstância, mas que querem dizer o que parece.

Para lá dos apoios que dá ou recebe, João Proença tem sido sobretudo uma moleta. Uma moleta que ajuda a sustentar entendimentos entre patrões e os sucessivos Governos e cujos resultados estão à vista. Mas, já agora, fica a pergunta: será que a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras sindicalizados na UGT também preferem a continuidade de Durão Barroso e a manutenção das soluções liberais para enfrentar a crise na Europa? E será que estarão, na sua maioria, contentes com o conteúdo do novo Código do Trabalho, agora que a sua aplicação vai começando a não precisar de tradução?

Tiago Gillot
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