Provedor responde a queixa sobre regularização de dívidas de recibos verdes
O Provedor de Justiça respondeu à queixa enviada pela Associação de Combate à Precariedade, no âmbito da forma como decorreu o regime excepcional de regularização de dívidas. Infelizmente, o Provedor considerou não haver razões para intervir sobre a forma intimidatória como os trabalhadores a recibos verdes foram notificados pelo Instituto da Segurança Social, que incluiu a ameaça de prisão indiscriminada e desinformada, além das já habituais dificuldades em obter informações e contestar valores erradamente imputados aos precários. Partilhamos abaixo, no final, a resposta do Provedor. Ver aqui a queixa enviada a 12 de Dezembro de 2013.
Na sua resposta, enviada também às muitas pessoas que remeteram esta mesma queixa e exigiram uma intervenção que obrigasse o Governo a corrigir a sua conduta, a Provedoria opta por sancionar o verdadeiro ultimato que foi dirigido aos trabalhadores precários com dívidas, na maior parte dos casos injustas. As ameaças de prisão, sem qualquer enquadramento legal ou referências aos limites e circunstâncias em que pode ser aplicável essa norma (ela própria inaceitável), foram objectivamente uma forma de pressionar pessoas que já estão numa situação de extraordinária vulnerabilidade. O Provedor considera esta abordagem formalmente correcta, bastando-lhe constatar o “carácter geral e abstracto” das informações prestadas pela Administração. Obviamente não podemos estar de acordo: as ameaças de prisão, feitas de forma generalizada e abstracta, são uma forma inaceitável de um organismo como a Segurança Social se dirigir a trabalhadores precários.
Quanto às dificuldades em obter informações e em contestar os valores em dívida, que excluiu um conjunto muito alargado de trabalhadores e trabalhadoras a recibos verdes desta suposta “oportunidade” do regime excepcional de regularização, a Provedoria afirma ter intercedido junto do Governo. Sem surpresa, ficamos a saber que o Ministério de Pedro Mota Soares nem sequer respondeu a esta solicitação. Esta atitude é, em si mesma, uma imagem bastante clara da forma como o Governo trata as pessoas e as instituições.
Tudo o que interessa é a situação real das pessoas perante problemas graves. Infelizmente, ao contrário do que é dito pelo Governo, o problema das dívidas à Segurança Social foi ainda agravado por este regime excepcional. Dívidas injustas foram pagas com sacríficio, por pessoas intimidadas por uma Administração que foi cúmplice da fraude social dos falsos recibos verdes. Muitas pessoas continuam devedoras, sem possibilidade de organizar a sua vida e ameaças por cobranças coercivas, que nos prometem agora endurecer ainda mais. A Associação de Combate à Precariedade não desistirá de lutar por um verdadeiro plano de regularização desta situação, que vá ao fundo do problema e tenha em conta a situação das pessoas. Só esta opção é rigorosa e justa.
Reclamante: Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis
Endereço eletrónico: precariosinflexiveis@gmail.com
Nossa referência: Proc. Q-8170/13(A3)
Assunto: Queixa apresentada na Provedoria de Justiça. Aplicação do regime de regularização excecional de dívidas à segurança social (REGEX).
Exmos. Senhores,
Reporto-me à exposição oportunamente apresentada por V. Exas. junto deste órgão do Estado, através da qual, embora não identificando qualquer situação concreta, veio alertar o Provedor de Justiça para a aplicação do regime de regularização excecional de dívidas à segurança social (REGEX) aos trabalhadores independentes, designados como “trabalhadores a recibos verdes”.
Questionam ainda V. Exas. o teor da informação constante no ofício remetido a todos os contribuintes pelos serviços da segurança social, alegadamente com contribuições em dívida, nomeadamente no que concerne ao facto de o referido ofício fazer referência a consequências penais de forma indiscriminada, independentemente dos valores em causa.
Por último, dão conta da dificuldade na obtenção, em tempo útil, da informação necessária para confirmar a dívida existente ou, eventualmente, apresentar a devida contestação.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de outubro, veio estabelecer um regime excecional de regularização de dívidas ao fisco e à segurança social, tendo fixado inicialmente o prazo de 20.12.2013 como data limite, posteriormente prorrogado até 30.12.2013.
Tal como explicitado no preâmbulo do diploma legal em causa, subjacente à publicação do mesmo esteve, para além do “(…) reforço do combate à fraude e evasão fiscal (…)”, o reconhecimento aos contribuintes de uma “(…)derradeira oportunidade de regularizar a sua situação tributária e contributiva (…)”, permitindo, deste modo, “(…) o reequilíbrio financeiro dos devedores (…)”.
Antes de mais, faço notar a V. Exas. que o regime aprovado por este diploma legal é excecional e que a decisão de optar pela regularização de dívidas de contribuições à segurança social (ou de natureza fiscal) ao abrigo do mesmo é totalmente voluntária.
No que concerne à informação constante do ofício da Segurança Social a que V. Exas. se referem, importa ter em consideração que o ofício em causa e a informação nele constante se destina a um universo de contribuintes muito amplo, motivo pelo qual não poderia deixar de conter informação de caráter geral e abstrato, no sentido de abranger e esclarecer o maior número de interessados possível.
Aliás, mesmo que se admitisse que tal informação peca por excesso, o certo é que a mesma se limita a reproduzir disposições legais, devendo apenas ser entendida como uma chamada de atenção para as consequências legais do incumprimento das obrigações contributivas. Tais informações resultam de lei expressa e não são impostas pelo ofício em questão.
Já quanto aos atrasos no esclarecimento do fundamento e montantes das dívidas que poderão ter condicionado muitos contribuintes no acesso ao regime de regularização excecional de dívidas à segurança social (REGEX), permito-me informar que o Provedor de Justiça não deixou de intervir junto de S.Exa. o Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social sobre o assunto.
Efetivamente, foram dirigidas ao Provedor de Justiça várias queixas de contribuintes que alegavam atrasos significativos dos serviços da segurança social na apreciação das reclamações de dívidas pendentes à data da entrada em vigor do referido diploma legal e receavam não virem a ter qualquer resposta em tempo útil, isto é, antes de terminado o prazo, para, confirmando-se a existência e o montante correto da dívida que haviam contestado, regularizarem a sua situação.
Em face disso e considerando ainda que há muito que este órgão do Estado formulara vários reparos ao Instituto da Segurança Social, IP e à própria Tutela para o problema dos atrasos verificados na apreciação deste tipo de reclamações de dívidas, o Provedor de Justiça não deixou de considerar preocupante que os contribuintes com dívidas há muito reclamadas pudessem não vir a beneficiar deste regime excecional por razões manifestamente imputáveis aos próprios serviços da segurança social por falta de resposta tempestiva às suas reclamações.
Neste contexto, em 17.12.2013, o Provedor de Justiça dirigiu um ofício a S.Exa. o Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social, alertando-o para este problema e para a necessidade de ser adotada medida que visasse acautelar a situação dos contribuintes nestas circunstâncias.
Apesar de ainda não ter sido recebida resposta, o certo é que o prazo para regularização das dívidas veio a ser prorrogado até 30.12.2013.
De qualquer modo, importa ainda referir que o Provedor de Justiça continuará a acompanhar com especial interesse e preocupação as questões que se prendem com os atrasos da Segurança Social na apreciação das reclamações apresentadas pelos contribuintes relativamente às dívidas notificadas, de modo a que possam ser corrigidos os constrangimentos e atrasos ainda existentes.
Com os meus melhores cumprimentos,
Jorge Miranda Jacob
Provedor-Adjunto de Justiça
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