Razão atendível para a lei da selva
A proposta do PSD de alterar o fundamento da decisão de despedimento individual com “justa causa” para “razão atendível” faz parte de um ataque ideológico que o mesmo partido faz enquanto o PS se encontra no poder. Se a frontalidade fosse mais forte que a mentira na boca de Passos Coelho, ele diria que aproveita para fazer o que nunca conseguirá se for 1º ministro. É uma fraqueza e uma cobardia para com a democracia e para com as pessoas que ainda escolhem o equilíbrio de poderes. Claro que nisto, o PS tem a responsabilidade de se colocar à mercê dos acordos com a direita. Hoje, na realidade, o acordo político é forte, e este jogo de “pontas-de-lança” políticos beneficia a teatralização e os actores principais: Passos Coelho e o PSD roubam novamente espaço a Portas e ao CDS (e este põem-se em bicos-de-pés como já se viu) e mostram aos patrões que estão prontos para governar; ao mesmo tempo, Sócrates faz zig-zag na onda e aproveita a oportunidade para afirmar que defende o Estado Social juntamente com o PS, é mentira. São eles, o PS, que sempre concretizaram os maiores ataques: criação de contratos a prazo, criação dos Recibos Verdes, ataque à contratação colectiva e por isso aos sindicatos, ataque aos professores, ataque ao subsídio de desemprego, fecho massivo de instituições do SNS (SAPs, Centros de Saúde, Maternidades,…), proposta de fecho massivo de escolas desagregando ainda mais o frágil tecido social do interior… a lista é assinalável.
Voltando à razão atendível para a lei da selva, a mesma pode ser discutível, mas a realidade selvática que todos os dias invade o peito de quem quer trabalhar e ser independente, viver do seu trabalho, já é suficientemente grave e violenta para que valha a pena – mesmo para o aspirante a 1º, Pedro Passos Coelho – querer legitimá-la na Constituição. Por mais pontos que isso lhe desse na cotação dos mercados em que as agências de rating são os patrões e os banqueiros.
É que em 2009 a economia espirrou. Essa criação da visão conjunta de PS e PSD ajudou a gerar 690.300 novos desempregados. 40% destes, ou seja, 276.120 eram precários, com contrato a prazo ou Recibos Verdes (a maioria falsos).
Despedimentos colectivos em 2009? Não!
“Apenas 379 empresas recorreram a esse mecanismo em 2009, afastando 5522 pessoas.”
Teriam sido ilegalmente despedidos e foi parar tudo a tribunal? Também não!
“Nos tribunais laborais, deram entrada cerca de 19.200 casos e desconhece-se quantos foram por impugnação do despedimento”.Certamente o PS deu uma ajuda com a elevação das custas judiciais.
A ideia magnífica de “Empresa na Hora” resultou em milhares de trabalhadores a irem “para a rua” enquanto patrões fecham um estaminé para abrir outro, como se a projecção e planeamento da economia pudesse suportar de forma sustentável, e ao mesmo tempo, o emprego e este tipo de ideias/ideiais. Mais, o conceito de “justa causa” sempre abrangeu casos de “desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo” ou “reduções anormais de produtividade do trabalhador“. Talvez Passos Coelho desconheça a lei ou então nunca tenha sido um desempregado despedido desta forma.
Há ainda o despedimento por inadaptação aplicável em situações de “redução reiterada de produtividade ou de qualidade” ou de quadros técnicos ou de direcção que “não tenham cumprido os objectivos previamente fixados e formalmente aceites, sendo determinado pelo modo de exercício de funções e desde que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
E depois claro há o famoso “despedimento colectivo”, que no caso de profusão de PMEs em Portugal, pode ser aplicado a partir de dois trabalhadores nas micro e pequenas empresas, e de cinco nas médias e grandes empresas. O Ministério do Trabalho não tem levantado objecções de maior às justificações das empresas – que podem alegar retracção do mercado ou reestruturação, entre outros.
Não chega para lei da selva? Não é atendível o suficiente? O resultado da proposta do PSD é a legitimação do fim do contrato social em que o Estado considera os trabalhadores a parte mais frágil na relação de trabalho, e isso é inaceitável. Hoje, a realidade já coloca o Estado do lado dos patrões, ou no melhor dos casos, num lugar equidistante, no entanto, existem referências ideológicas que nos defendem e defendem as ideias de democracia, redistribuição, justiça e solidariedade. São essas que o PSD (com a ajudinha do PS), está a atacar.
rUImAIA
by