Uma maioria que encolhe (na aprovação do Código do Trabalho e no resto)
É preciso dizer que este Código contou com os votos contra de cinco deputados e deputadas do PS (Manuel Alegre, Júlia Caré, Teresa Portugal, Eugénia Alho e a deputada independente na bancada do PS, Matilde Sousa Franco), que assim se juntaram ao PCP, Verdes e Bloco de Esquerda (ouvir declarações, via TSF, aqui). Apesar de votarem favoravelmente, Vera Jardim, Paulo Pedroso e Maria de Belém apresentaram também uma declaração de voto. A direita absteve-se (à excepção de dois deputados do MPT integrados no grupo parlamentar do PSD).
Esta oposição tem um enorme significado e fragiliza, em grande medida, os argumentos de Sócrates e companhia. Vale a pena ouvir as vozes socialistas que não afinam pela cegueira desta direcção do PS. Manuel Alegre lamentou, mais uma vez, que o PS faça agora o contrário do que prometeu e recusa as críticas: “O PS é que infelizmente votou contra aquilo que tinha dito em 2003“, “Nós [PS] fomos contra o Código do Trabalho apresentado pelo ministro Bagão Félix [do Governo PSD-CDS]. Agora quase tinha que pedir desculpa das coisas que disse na altura”. Percebe-se o incómodo de Manuel Alegre: afinal de contas, nem toda a gente está disposta a fazer o contrário do que defendeu há tão pouco tempo e a trair o programa que permitiu essa longíqua maioria absoluta.
A verdade é que este Código do Trabalho agrava as condições que herdámos do Código-Bagão. Foi esta a escolha de Sócrates: desperdiçar a esperança da maioria do país, entre outras, nas promessas da “revogação dos aspectos mais gravosos do Código [Bagão]”, em nome do “acordo” dos patrões. Ou seja, em nome dos benefício que uma poderosa minoria exige através da intensificação da exploração da maioria das pessoas.
Mas Sócrates sabia bem que, além das evidentes tensões sociais que o desemprego e a precariedade não permitem aliviar, trazia o peso da promessa consigo. Foi por isso que o Governo nunca dispensou uma agressiva linha de comunicação, assente em duas mentiras: a importância do “acordo” – para fingir que o texto é “equilibrado” e tem em conta as diferentes partes (e como se, já agora, as partes fossem “iguais”) – e o combate à precariedade. Sócrates repetiu hoje, no Parlamento, uma síntese desta ideia: “Portugal precisa de mudar e de evoluir na legislação laboral. É preciso dar uma resposta positiva à economia portuguesa, concedendo maior flexibilidade às empresas, e reduzir a precariedade do emprego“. Não se discute a eficácia da propaganda – nisso Sócrates tem provas dadas. Parece estranho, mas este homem e as pessoas que o rodeiam conseguem dizer que é preciso mais flexibilidade (para nos despedir mais facilmente, para nos obrigar a trabalhar fora-de-horas sem remuneração, para rebentar com a contratação colectiva e, no fundo, impôr uma nova e selvagem normalidade nas relações laborais) e dizer que querem combater a precariedade.
A votação de hoje, encavalitada no mesmo dia em que o PS votou sozinho o (não menos importante) Orçamento de Estado para 2009 (na generalidade), revela, no entanto, como se pode estar a desfazer lentamente esta maioria da mais absoluta irresponsabilidade. É fácil perceber que a direita tem pouco para dizer e deixa todo o espaço da inevitabilidade para as políticas da desistência deste Governo. É fácil perceber que Sócrates navega neste mar de inabilidades e no sossego da “falta de alternativa”. Mas é preciso responder com a coragem de afirmar que não somos apenas números na contabilidade das empresas ou nas contas de Sócrates, fazendo mais pelo que pode mudar: juntar a riqueza e a diversidade de todas as vozes – são muitas, isso é certo – para, além de exigir as políticas que têm a coragem de enfrentar verdadeiramente os problemas que se colocam, organizar e permitir a participação de cada vez mais gente neste combate – que, já agora, tem que passar a contar com demasiada gente que suporta silenciosamente a sua precariedade. O PI é, quer ser, uma dízima para este contributo.
Tiago Gillot