V. O que quer o Governo? | Reduzir a Taxa Social Única

A redução da Taxa Social Única passou a integrar a agenda da governação. Não só integra, ainda que de forma pouco concretizada, o acordo com a troika, como foi tema destacado na campanha eleitoral. No entanto, no programa do Governo o silêncio é quase total. O executivo de Passos Coelho e Paulo Portas prepara-se para um rombo de grandes dimensões na Segurança Social sem dizer claramente como e quanto quer fazer.
Apenas numa breve referência, na página 28, se aponta a “redução da TSU”, justificada com o objectivo de ” criar emprego e promover o crescimento económico”, através duma alegada “redução substancial dos custos de produção das empresas”. Ou ainda, na página 34, quando se fala numa “revisão do Código Contributivo no sentido de diminuir os custos de trabalho para as empresas e promover o emprego”. Nada é dito sobre qual o valor da redução que será proposto nem como se vai compensar o financiamento da Segurança Social. Certo é que o Governo quer aproveitar esta oportunidade para oferecer mais um privilégio aos patrões, à custa duma parte dos nossos salários, do previsível aumento de impostos e do futuro da Segurança Social.

A redução da Taxa Social Única significa diminuir a responsabilidade das empresas nas contribuições para a Segurança Social. Actualmente, os descontos no trabalho mediado por um contrato representam 34,75% (23,75% feitos pela empresa e 11% pelo trabalhador). A proposta de redução incidirá apenas na parte que convencionalmente se considera ser da responsabilidade das empresas, numa medida que é justificada com o aumento da competitividade e o incentivo ao emprego.

Mas a realidade mostra que não será bem assim. Um artigo recente no jornal Público demonstra bem que a medida não terá os efeitos propagandeados: a redução de custos para a generalidade das empresas será muito curta – na estrutura dos seus custos pesam muito mais os gastos com matérias primas ou com a energia, por exemplo; o alegado incentivo ao emprego não terá qualquer impulso por esta via; um pequeno corte nos custos intermédios das empresas chegaria a resultados superiores. As empresas que beneficiariam desta medida são apenas aquelas que exploram o trabalho de forma intensiva.

Se avançar uma redução da Taxa Social Única, é objectivamente mais uma parte do salário que está a ser retirado aos trabalhadores, dinheiro que foi gerado pelo trabalho e que, não sendo recebido nos ordenados, fica retido na Segurança Social para pagar mais tarde reformas, pensões e outras prestações sociais. A isto acresce um provável aumento do IVA para compensar (certamente de forma insuficiente) o financiamento da Segurança Social. O que se prepara é, portanto, um roubo em várias frentes: diminuição do salário, descapitalização da Segurança Social e ainda o aumento de impostos (que incidirá de forma mais acentuada sobre os trabalhadores).

As organizações patronais e figuras várias que representam os seus interesses têm obviamente apoiado esta medida. O silêncio do Governo sobre a forma concreta da sua proposta abriu campo a uma especulação voraz, porque os patrões sentem a oportunidade e alimentam esta nova exigência. Ferraz da Costa falou destemidamente numa redução de mais de 80% (ver aqui); a Confederação da Indústria Portuguesa reagiu corporativamente, enquanto outros exigem ter também direito a esta oferta (ver aqui). Neste espectáculo degradante dos interesses, com total cumplicidade do Governo, só os direitos dos trabalhadores ficam de fora.

Não aceitamos a redução da Taxa Social Única, não só porque não resolve os problemas da economia e do emprego, mas sobretudo porque não é admissível mais um corte no salário e nos direitos dos trabalhadores. O sistema público de Segurança Social é um direito e uma garantia que não pode estar ao serviço dos interesses que se organizam para ganhar todos os dias com a crise. Descapitalizar a Segurança Social e aumentar impostos não é uma solução: é apenas mais uma forma de transferir rendimentos da maioria da sociedade para uma minoria privilegiada.

Ver também:
I. O que quer o Governo? | Contrato único
II. O que quer o Governo? | Banalizar o trabalho temporário
III. O que quer o Governo? | Perseguir os desempregados
IV. O que quer o Governo? | Legalizar os falsos recibos verdes

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