A dívida impagável de Passos Coelho | Opinião de Márcia Silva no Expresso

Artigo de Opinião de Márcia Silva, dirigente dos Precários Inflexíveis, na edição de 21 de Março de 2015.

A dívida impagável de Passos Coelho

Nas últimas semanas o país foi confrontado com a insustentável posição do primeiro-ministro. Depois da maior compressão salarial de que há memória, por via de cortes nos salários, cortes no Estado social e aumentos de impostos, fomos confrontados com o facto de Passos Coelho simplesmente não ter pago as suas contribuições durante cinco anos.

A sua defesa foi feita pelo ministro da Segurança Social, que atacou a própria tutela para dizer que o primeiro-ministro era vítima de um “erro administrativo”. O tal erro era não ter sido notificado pela Segurança Social para pagar as suas dívidas. A consequência desse erro para Passos Coelho foi… Nenhuma. Apenas depois de notificado pela comunicação social pagou a sua dívida, com 10 anos de atraso, num valor abaixo do devido, com uma reestruturação a pedido e, muito provavelmente, irregular. Só é possível pagar contribuições prescritas, segundo o Código Contributivo, nas situações em que “à data da prestação do trabalho, a actividade não se encontrar obrigatoriamente abrangida pelo sistema de segurança social”. Não estivesse a actividade abrangida pela Segurança Social e Passos não teria uma dívida. Foi beneficiado e reconstituiu a sua carreira contributiva no tempo que lhe apeteceu.

Nos últimos anos, o ministro Mota Soares confiscou sem notificação, penhorou a falsos recibos verdes as dívidas dos seus patrões, cobrou valores errados, enganou-se na colocação dos escalões de contribuição em 2011, 2012, 2013 e 2014, propagandeou um subsídio de desemprego para recibos verdes, inventou uma declaração de rendimentos anuais para poder cobrar multas, entre outros casos. Isto para as centenas de milhares de trabalhadores a recibos verdes, verdadeiros e falsos. Para Passos Coelho apressou a justificação, enganou o país.

As desculpas de Passos Coelho não merecem comentário. Milhões de pessoas não sabiam, não tinham dinheiro, esqueceram-se. Apesar disso, em 2014 a Segurança Social executou 374.150 penhoras de bens, contas bancárias, casas, créditos e salários, no valor de 5,2 mil milhões de euros. Entre 2011 e 2013 foram mais 10,1 mil milhões em penhoras. Apesar desta cobrança recorde, a Segurança Social foi descapitalizada, os serviços prestados e as prestações sociais cortadas. Isto porque a salvaguarda da Segurança Social está a servir para financiar a dívida portuguesa (foram comprados 4 mil milhões de euros de dívida pública entre 2013 e 2015). Nada que implicasse o esforço de pagamento por parte de Passos Coelho.

Antes que qualquer organização pedisse a sua cabeça, foi Passos a afirmar que não se devia demitir. Fê-lo porque, de facto, tinha que se demitir. Apenas uma república das bananas pode ter um primeiro-ministro nestas condições. Especialmente um que repete que as pessoas têm que pagar as suas dívidas. Que ataca os gregos por serem “maus pagadores”. Que fala em credibilidade externa. É um descrédito para a população ter tal governante, vergonha que tinha que ser assumida pelo próprio. Não foi. Passos Coelho poderá ter pago uma parte da sua dívida à Segurança Social, mas a sua dívida à sociedade é impagável. A sua presença infecta-nos a todos e à democracia.

Opinião no Expresso

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