Tribunal Constitucional chumba parte do alargamento do período experimental, mas aceita o essencial das alterações à lei laboral

A decisão do Tribunal Constitucional sobre várias normas do Código do Trabalho, conhecida na passada segunda-feira, declarou a inconstitucionalidade do alargamento do período experimental para 180 dias para trabalhadores à procura do primeiro emprego. Apesar deste ter sido o aspecto mais divulgado, a decisão aceita a maioria das normas que estavam em apreciação, que correspondem a alterações introduzidas em 2019 e que agravaram a precariedade na lei. Mesmo em relação ao alargamento do período experimental para grupos específicos de trabalhadores, é o próprio comunicado do TC que afirma que foi decidido não declarar a inconstitucionalidade deste princípio, considerando “uma pequena ressalva”o que foi determinado em relação aos trabalhadores à procura do primeiro emprego. Embora com este aspecto positivo, o acórdão é um passo atrás na referênca da protecção legal dos direitos de quem trabalha. Aliás, a decisão dividiu os e as juízes, como se demonstra pelos vários votos vencidos e declarações de voto.

Recordamos que em causa estavam normas introduzidas no Código do Trabalho nos últimos dias da legislatura anterior, que suscitaram um pedido de fiscalização pelos deputados e deputadas dos grupos parlamentares do Bloco de Equerda, Partido Comunista Português e Partido Ecologista “Os Verdes”. Além do alargamento do período experimental, foi também apreciado o alargamento do âmbito e da duração dos contratos de muito curta duração e ainda a cessação da vigência das convenções colectivas por extinção de uma das partes.

O chumbo do TC impede, no fundo, que se mantenha o inaceitável conceito de trabalhador à procura do primeiro emprego, que incluía todas as pessoas que não tinham ainda celebrado algum contrato sem termo. Assim, muitas pessoas, apesar de décadas de experiência laboral, ficariam sujeitas a um período experimental alargado para seis meses, acentuando as consequências da precariedade permanente. Com esta decisão, a existência de contratos de trabalho anteriores de pelo menos 90 dias é suficiente para deixar de ser considerado trabalhador à procura do primeiro emprego. Já quanto aos desempregados de longa duração, o acórdão do TC aceita o alargamento do período experimental para 180 dias.

Esta decisão confirma, assim, a possibilidade de se prever na lei laboral um período experimental alargado apenas baseado na condição do trabalhador (e não com base na maior ou menor complexidade das funções que desempenha). Esta alteração não é um detalhe. O período experimental é uma verdadeira bomba atómica, que deixa os trabalhadores e as trabalhadoras sem qualquer protecção que a lei laboral confere. Durante este período, o contrato de trabalho pode simplesmente ser cessado, sem necessidade de fundamentação e de haver uma causa que o justifique, e também sem lugar ao pagamento de compensação por despedimento. Com o alargamento para seis meses, a lei, agora com a autorização do Tribunal Constitucional, abre a porta para uma estratégia patronal em que o período experimental serve como forma de imposição da precariedade mais radical, que fica até mais barata do que a contratação a termo. Os primeiros meses da pandemia demonstraram bem as consequências desta opção, com milhares de pessoas em período experimental a serem simplesmente descartadas.

Quanto aos contratos de muito curta duração, a alteração de Outubro de 2019 passou basicamente a permitir a sua celebração para todo o tipo de sectores e actividades. Esta modalidade contratual radicalmente precária, que dispensa sequer a forma escrita do contrato, foi inicialmente prevista apenas para o sector agrícola e para o turismo, apresentada como uma forma agilizar a contratação e evitar a informalidade nos casos típos de necessidades sazonais. Também a duração máxima de cada contrato, que começou por ser de uma semana, passou agora de 15 para 35 dias (mantendo-se o máximo de 70 dias por ano, para cada empregador). Este alargamento, no âmbito e na duração, representa mais precariedade permitida pela lei e é um incentivo a estratégias patronais de imposição permanente de trabalho a prazo curto e sem direitos (nomeadamente, o direito à protecção no desemprego).

No que diz respeito à vigência das convenções colectivas, o Tribunal Constitucional aceita que passe a bastar a extinção de uma das partes, o que introduz mais um elemento de diminuição da protecção e da força colectiva dos trabalhadores, que se junta às regras que permitem a caducidade e a chantagem sobre as organizações sindicais.

Em suma, apesar da importância do chumbo da norma relativa ao alargamento do período experimental para o que se considerava trabalhadores à procura do primeiro emprego, esta decisão representa um retrocesso e autoriza a permanente introdução de elementos de precarização e discriminação na legislação laboral. Uma decisão que confirma a urgência de alterar as várias normas do Código do Trabalho em que a precariedade se tornou legal e onde os direitos regrediram.

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