Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho em consulta pública até 22 de Junho

A versão preliminar do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho foi divulgada no início do mês, estando em consulta pública até ao próximo dia 22 de Junho. A elaboração deste documento foi previsto no Programa do Governo, anunciado como uma base para “avançar com propostas concretas de regulação”. Trata-se, por isso, de um documento relevante, elaborado por uma equipa técnica que analisou várias dimensões relacionadas com as transformações do mundo laboral, com muita informação e dados importantes, que inclui “linhas de reflexão” para orientar as opções da política pública. Nesta sua versão preliminar, o Livro Verde identifica problemas e desafios, mas aponta caminhos demasiado vagos ou é mesmo omisso em questões que exigem mudanças fortes.

 

Uma das mais importantes omissões do documento é a ausência de uma orientação e de propostas concretas no combate à precariedade. Apesar de reconhecer os riscos associados às transformações em curso, o documento não vai mais longe do que defender a penalização (sem definir como) do recurso “excessivo” à contratação precária ou algumas medidas para atenuar o abuso no trabalho temporário. No essencial, não são desenvolvidas ideias para aquele que deveria ser o principal desafio quando se projectam respostas para o futuro do trabalho: definir medidas e aprofundar os mecanismos já existentes para combater a normalização dos vínculos precários.

 

Também em matérias como o teletrabalho, em que as consequências da falta de regulação se tornaram evidentes no contexto da pandemia, o documento fica aquém do necessário. Num contexto em que o teletrabalho poderá passar a ser mais significativo e ainda sem um quadro de protecção consistente, é necessário estabelecer na lei critérios exigentes de protecção dos trabalhadores e das trabalhadoras em várias matérias – da responsabilização dos empregadores pelas despesas ou o seu dever de desconexão, ao direito à privacidade ou à associação sindical, sem esquecer o efeito potenciador das desigualdades de género que o teletrabalho acarreta.

 

Por outro lado, num momento em que a pandemia revelou a importância das funções essenciais relacionadas com a prestação de cuidados nas suas várias vertentes, o documento, embora saliente a centralidade destas funções e a desvalorização de quem as assegura, em sectores fortemente dominados pela precariedade, pela informalidade e pelos baixos salários, atingindo sobretudo as mulheres, não propõe qualquer medida para assegurar e melhorar a prestação destas necessidades sociais e garantir os direitos de quem trabalha nestas actividades.

 

Registamos, ainda assim, a identificação de preocupações relevantes sobre o trabalho em plataformas digitais. O documento aponta para a necessidade de regulamentação e, mais importante, propõe a introdução na legislação de critérios mais amplos para o reconhecimento do direito ao contrato de trabalho. A criação de uma presunção de laboralidade adaptada à realidade do trabalho em plataformas é uma proposta importante, numa perspectiva mais exigente do que tem sido apontada pelo Governo nos anúncios que foi fazendo sobre a matéria ao longo dos últimos meses.

 

Também numa questão tão central como o combate às alterações climáticas, que ameaça a vida colectiva e exige medidas estruturais, nomeadamente do ponto de vista do emprego, o documento é muito insuficiente. Fala-se no potencial do que é apelidado como “emprego verde”, visto a partir da dinamização de alguns sectores, sem identificar as necessidades e a reposta pública para uma transição justa. Defendemos os princípios da campanha Empregos para o Clima, que integramos, que propõe a requalificação profissional e a criação de postos de trabalho em tarefas socialmente necessárias.

 

Estes são apenas comentários gerais sobre alguns dos aspectos mais relevantes de um documento que, pela importância e uma variedade das questões que levanta, suscita uma avaliação mais detalhada. Perante transformações profundas e uma gritante falta de regulação em várias áreas, a actuação da política pública impõe-se. O Governo tem apontado, ao longo dos últimos meses, para mudanças tímidas e apenas em algumas matérias, mas indicando sempre o Livro Verde como uma referência para as iniciativas a tomar. É também nesta perspectiva que devem ser vistas as propostas e, sobretudo, as omissões do documento. A Associação de Combate à Precariedade irá apresentar uma análise detalhada no âmbito da consulta pública.

 

Ver também:

– versão preliminar do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, aqui.

– informações para participar no processo de consulta pública do documento, aqui.

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