A Arte cativa, mas quem cativa a Arte?

A semana passada foi publicado um Decreto de Lei (ver aqui) que “estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2010”. Esta publicação é presságio de más notícias para as estruturas e criadores apoiados pelo Ministério da Cultura. Os efeitos práticos da publicação deste Decreto fazem-se sentir ao nível da redução de 10% nos financiamentos do Ministério da Cultura já para o presente ano e o corte total nos fundos para aquisição de obras.
A publicação deste Decreto, que incide num Ministério sustentado maioritariamente por trabalhadores intermitentes e sem apoios sociais (subsídio de desemprego, pensões de reforma, subsídios de férias ou doença), implicará a impossibilidade de muitos criadores poderem exercer a sua profissão. Esta é assim uma medida duplamente castradora de direitos. Desde logo, o direito à Cultura e à possibilidade de usufruir da mesma e, por outro lado, representa mais uma destruição do Estado Social ao impedir que milhares de profissionais dependentes de uma estrutura para a qual exercem a sua actividade profissional a possam continuar a fazer, vendo igualmente negados direitos fundamentais e basilares do Estado-Social.


Para além do escândalo que estas cativações representam para a área da Cultura e dos Direitos do Trabalho, a posição da Ministra da Cultura (ver aqui a entrevista ao Jornal Público) é igualmente vergonhosa, ao admitir que este Ministério foi “alvo de discriminação positiva” por parte do Governo, admitindo igualmente que serão os artistas independentes a sofrer maioritariamente com estas cativações. A entrevista da Ministra vai mais longe, quando esta afirma que “é preciso criar condições no nosso país para os artistas e agentes culturais terem mercado”.

Aqui, a incongruência não podia ser maior. Como é possível criar mercados quando, simultaneamente, se cortam os fundos para a produção cultural e para os artistas? Poderá o mercado cultural ser criado numa espécie de Génesis da Cultura, em que ao sétimo dia, os artistas desempregados, precários e sem fundos para trabalhar, milagrosamente “criam” um mercado com obras, artistas e públicos? Talvez. Contudo, a única certeza que hoje temos é que a Cultura e os artistas sofrem em Portugal um brutal corte de Direitos e possibilidade de poderem trabalhar. Esta é a magia das cativações ao serviço do PEC e da “estabilização económica”.
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