As 'boutades' de Camilo ou Mais vale ser bonito, rico e com saúde do que feioso, pobrezinho e doente
Caro Sr. Camilo Lourenço
Tive oportunidade de ler a sua crónica no Jornal de Negócios online, intitulada ‘Desemprego, sindicatos e precariedade’. Não terei a veleidade de pretender rebater ou sequer discutir consigo numa área que com certeza domina bem melhor que eu. Efectivamente, embora tenha estudado economia no liceu, já vão longe os dias em que o – excelente – professor que me calhou em sorte (havia muitos nesses tempos, sabe, sr Camilo, e talvez a tal facto não fosse alheio o de ensinarem sem medo do amanhã ) entreabriu os meus limitados horizontes nessa matéria. Há muito que esqueci a maior parte desses ensinamentos mas dois ou três pormenores nunca chegaram a eclipsar-se-me do cérebro. Um deles surgia logo na primeira aula, quando era situada a disciplina no espectro dos saberes. Julgo recordar – mas corrija-me se estiver errada – que a Economia se encontrava ‘arrumada’ na ‘prateleira’ das Ciências Sociais e Humanas. Pelos vistos fui enganada. Porém sobre isso poderemos conversar noutro dia, já que não é – pelo menos directamente – o assunto que me leva a dirigir-me a si hoje.
Até porque, como comecei por lhe dizer, não discutirei consigo numa área onde certamente me poderia dar aulas. Do défice não percebo nada (a não ser do défice do meu poder de compra a cada mês que passa, do défice da minha qualidade de vida a cada semana que passa, do défice de decência que noto em cada mais gente à minha volta a cada dia que passa). Agora, parafraseando um célebre automobilista da nossa praça, posso não perceber nada de economia mas de uma coisa percebo eu: de precariedade. E sobre isso sou eu que lhe posso dar lições. De cátedra. É que, sabe, sr. Camilo Lourenço, já lá vão muitos anos a vivê-la na pele. De modos que gostava de esclarecer consigo dois ou três pontos.
Em primeiro lugar, e sem pinga de maternalismo (passe o neologismo, mas além de precária, tenho o desplante de ser algo feminista), permita-lhe que lhe faça um reparo: esse argumento que usou é para lá de ultrapassado. Já ninguém leva a sério essa conversa do “antes um emprego precário de que nenhum emprego”. É que, sr. Camilo Lourenço, esse argumento faz-me sempre lembrar aquelas pessoas de bolsos repletos de notas que afirmam à boca cheia e não contendo uma certa sobranceria perante os restantes mortais : “O dinheiro não traz felicidade”. Como dizia o outro, mais vale vivo que morto, não é verdade sr. Camilo Lourenço? Estamos então, parece-me, conversados quanto à simplicidade desarmante deste raciocínio generalizante.
Aliás, convenhamos, sr. Camilo Lourenço, que essa conversa tresanda a chantagem: “ou aceitas trabalhar três meses a ganhar o ordenado mínimo ou a alternativa é o olho da rua”; “ou suspendes os teus direitos em nome do progresso e do crescimento ou passas fome e ainda carregas contigo o peso da culpa sempiterna de não teres contribuído para o bendito General Will”. Ora, Sr. Camilo Lourenço, não ofenda a nossa inteligência. Só falta dizer que o povo tem de fazer sacrifícios e aceitar trabalhar em troca de uma malga de sopa e de uma cama para dormir – “e já gozas”!
No parágrafo a que me refiro, o senhor fala ainda na dificuldade em “retomar rotinas de trabalho e network”. Desculpe, sr Camilo Lourenço, está a falar de quê, concretamente? A precariedade prolongada deve ter-me toldado o cérebro… Ou terá sido o desemprego? É que, sabe, sr. Camilo Lourenço, tenho alguma dificuldade em distinguir, talvez o senhor pudesse esclarecer-me. Quando fala em desemprego fala de quê? De não ter emprego? De receber subsídio? Tem ideia de quantas pessoas neste país não têm uma coisa nem outra? De quantos não cabem nas estatísticas governamentais? E quando afirma que “cada emprego, mesmo a prazo, é um peso a menos no orçamento da Segurança Social”, está a falar de quê, Sr Camilo Lourenço? De cada tarefeiro “contratado” a recibos verdes para fazer um trabalho efectivamente necessário, a quem sairá do lombo (se a tanto chegar a sua retribuição) a contribuição para um direito do qual não irá usufruir? (No tempo daquele meu professor e das suas aulas desuetas chamava-se Estado Providência, mas deve tratar-se de um conceito antiquado) Ou de cada sub-sub-sub-contratado cujo salário (?) será retalhado às postas para encher os bolsos dos empresários do proxenetismo laboral que dá pelo nome de “trabalho temporário” e que a maior parte do tempo se destina a negociar força de trabalho permanente como se de papos-secos se tratasse, gastos e secos poucas horas depois de terem saído do forno?
Por fim, mas não por último, a sua mais brilhante “boutade”, para usar uma expressão sua – e aqui também terei gosto em conversar consigo, pois de francês percebo eu! – : “não há precariedade maior do que estar desempregado”. Ah, pois não, sr. Camilo Lourenço. Não há. A não ser que se receba todos os meses. O que ainda calha a alguns, mesmo desempregados. É que, sabe sr. Camilo Lourenço, trabalharam para isso e a isso têm direito. Como todos deveriam ter. No tempo das minhas aulas de economia chamavam-lhe Estado-Providência, mas admito que seja coisa antiga. Caída em desuso….
com os melhores cumprimentos
Myriam Zaluar, jornalista precária/desempregada sem subsídio (uma questão de ponto de vista)







Muito bem. Adorei ler. E subscrevo cada frase.
K *
e mais nada …
Ele e todos aqueles que incham seu ego oco como “pessoa importante” não querem revelar o que este acordo, proveniente do PAE do FMI, não diz ao cidadão é a sua vontade em fechar um ciclo já iniciado há uns anos largos, ou seja querem acelerar a operação cirúrgica em termos estruturais:
1. privatizar a actividade económica e para isso há que primeiro manter durante anos a ineficácia económica para que os acoteres económicos e financeiros internacionais anexados ao PAE do FMI possam se apoderar, a preço de retalho, dos mercados promissores e logicamente das empresa públicas
2. desregular no máximo o intercâmbio, permitindo assim à lei da oferta ser menor e a procura ser bem maior para que o desemprego dispare em exponencial a fim de uniformizar o salário para se obter a mão-de-obra-mais barata em Porugal
3. desacoplar o Estado das suas funções como Estado Democrático fazendo com que ele tenha um papel subsidiário, de quadro jurídico para o funcionamento da economia privada e da redistribuição solidária para os riscos excepcionais.
4. endividar ao máximo as empresas públicas estratégicas do Estado para que se dê início à privatização cujo modelo é nacionalizar as perdas e privatizar os ganhos para que o sector privado, nomeadamente na Segurança Social, Saúde, Educação, permitindo assim a possibilidade de um lucro ao sector privado em detrimento do cidadão.
5. concentrar os recursos em função do desempenho dos pólos através do poder transnacional dados a pessoas sem nenhuma formação política nem instrucção académica válida, cujo o seu objectivo é de impedir que haja formas alternativas de gestão dos recursos naturais e económicos. .
• minimizar a redistribuição social e as despesas do Estado não funcionais em relação à lei da concorrência o que corresponde à marginalização e à exclusão do capital humano no Estado.
• Redesenhar o espaço socioeconómico eliminando grupos que compartilham uma visão estratégica de crescimento económico, que preconizam uma gestão redistributiva, que desenvolvam um projecto ao mesmo tempo nacional e social.
• Acelerar a institucionalização progressiva das redes de poderes transnacionais para se garantir mutuamente a segurança contra as ameaças provenientes dos movimentos cívicos que nada mais são respostas às consequências desastrosas da mundialização, reprimindo tudo que ameaçe a emergência da nova ordem mundial.
Evelyn MCH