A tribo dos jornalistas

Sei que é dia de greve de professores e que devia escrever sobre isso.
A fotografia na primeira página do “Público” ilustra a greve e é muito boa. As discussões que ouvi na rádio hoje de manhã também puxam ao debate da greve.

Mas sou jornalista.
E quando comprei o jornal hoje fui logo à página do “Público” que mais me interessaria, com a chamada de capa “Jornalismo – A tribo deixou de ser tribo e não pára de crescer”.
São as páginas 8 e 9 do “P2”, com um texto de Inês Sequeira e fotografias de Daniel Rocha e Mafalda Melo.

Li o texto na diagonal, sobre o balcão do café onde esperava o meu café curto. Estava na expectativa de encontrar a palavra “precariedade” ou alguma da sua família.
Mas não, nada.

O pretexto do artigo “Jornalistas – As mudanças da tribo” é um estudo do ISCTE, coordenado pelo docente de sociologia e jornalista José Rebelo. E pelo que leio neste artigo, o estudo baseia-se em “50 entrevistas realizadas a diferentes profissionais do jornalismo”.
Já no artigo do “Público” de hoje, são citadas três fontes. Três profissionais de reconhecido mérito, todos eles iniciados no jornalismo nos anos 60:
o professor José Rebelo, Adelino Gomes (actual provedor do ouvinte da RDP) e Fernando Cascais (director do centro de formação para jornalistas Cenjor).
Nenhum deles é citado mencionando de forma directa a existência crescente de precariedade entre os jornalistas.
Ora, num artigo sobre “mudanças da tribo”, parece-me estranho que se faça este tabu à volta dos jornalistas precários…

São artigos como estes que me deixam convencido que os Prémios Precariedade eram mesmo necessários, para chamar para a praça público um assunto que é sempre mexido com paninhos quentes.

Voltando ao artigo, há de facto uma referência de José Rebelo às novas relações laborais que me vejo obrigado a citar, sem mais comentários senão este:
pode dar para muitos jornalistas nas “novas gerações” esboçarem sorrisos amarelos.

(…)
«“Por fim, a geração mais recente, que entrou na actividade já a partir do final dos anos 90 e com uma realidade muito diferente. “Entram num contexto de recessão, em que a procura de trabalho é muito superior à oferta; saem por ano para o mercado de trabalho cerca de 1500 licenciados em Comunicação Social, que vão enfrentar problemas muitíssimo complicados, como a questão dos estágios que muitas vezes se sucedem uns aos outros”, explica o sociólogo.
Desde logo, surgem duas implicações: “Secundarizam-se as questões deontológicas, aceitam-se situações de trabalho que são por vezes muito complicadas. E isso provoca situações de tensão entre os mais velhos e os mais novos.” (…)
Por outro lado, “os mais velhos têm uma ideia do jornalismo como missão que se cumpre de serviço público, e também como uma tribo, com laços de solidariedade muito fortes, exportam para fora da redacção as relações de amizade”. Em contrapartida, no caso dos mais novos, é muito diferente a forma como encaram o ofício: “Exercem o jornalismo como uma profissão, com horário de entrada e saída, reclama-se uma estruturação mais completa da profissão e uma regulação maior do acesso.”»
(…)

João Pacheco,
jornalista precário e membro dos Precários-Inflexíveis

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