"Autarquia Sem Precários" começou a traçar o mapa nacional da precariedade nos municípios

Iniciativa “Autarquia Sem Precários” encerra ciclo de silêncio sobre precariedade nas autarquias
Resultados finais apontam para responsabilidades futuras

No domingo passado elegeram-se 308 novos executivos municipais no país. Terminam, assim, os anteriores mandatos e, portanto, encerra também a iniciativa “Autarquia Sem Precários” que os Precários Inflexíveis lançaram no final de Julho passado. No final desta campanha sabemos que tínhamos todas as razões para a fazer. E, sobretudo, sabemos que já nada ficará como antes.

Nestes cerca de dois meses e meio de muita actividade e contacto com a realidade do trabalho nas autarquias, os Precários Inflexíveis interpelaram os Presidentes de todas Câmaras Municipais do país, convidando estes responsáveis a assumirem um compromisso forte com a erradicação da precariedade laboral nos seus municípios. Pretendíamos, desta maneira, fazer o que parecia mais difícil: afastar o biombo que esconde todos os atropelos aos direitos de tantos trabalhadores e trabalhadoras que, sabíamo-lo bem, se sujeitam à chantagem da precariedade em autarquias um pouco por todo o país.

Este desafio para um compromisso dos autarcas era e é essencial para alterar esta triste realidade. Mas era preciso também um confronto com as vozes que estão há demasiado tempo silenciadas pelo medo. Por isso, apelámos a toda a sociedade civil, em particular a todos os trabalhadores das autarquias do país, para revelarem as histórias escondidas nos gabinetes das Câmaras e empresas municipais. E foi assim que muitas vozes falaram pela primeira vez, revelando ao país uma realidade que já ninguém pode dizer que não conhece.

Estes mandatos nas 308 Câmaras Municipais do país que agora se iniciam têm, portanto, um renovado desafio e responsabilidade. Tal como em crescentes sectores do trabalho em funções públicas, onde devemos exigir ao Estado as especiais responsabilidades que lhe são devidas, as autarquias estão sob escrutínio relativamente ao cumprimento dos direitos dos seus trabalhadores. Como sempre, cá estaremos para esse combate que, estamos certos, contará com mais força e uma nova exigência.

Um primeiro mapa da precariedade: vozes que falaram, num mar de silêncios

Olhando para os resultados concretos e informação recolhida por esta iniciativa, começamos por destacar os municípios que assumiram o compromisso de não recorrer à precariedade: Amadora, Évora, Funchal, Penalva do Castelo, Portimão, Vale de Cambra e Vila Nova de Famalicão. É verdade: apenas 7 autarquias quiseram anunciar a recusa da precariedade. No entanto, registamos que, entre elas, se contam capitais de distrito e outros municípios relevantes, representando no total mais de meio milhão de pessoas.

O contacto com os trabalhadores e a recolha de testemunhos, tantas vezes brutais pelas histórias que revelam, foi, talvez, o resultado mais profundo desta campanha: chegaram-nos denúncias de precariedade relativamente a 23 concelhos do país, quase sempre contadas na primeira pessoa, apesar da exigência de anonimato ter sido unânime – o que revela bem o clima sob o qual se impõe a precariedade. São histórias de falsos recibos verdes, de contratos a prazo ilegais ou de abuso no recurso a estágios e programas ocupacionais de emprego. Entre os municípios abrangidos, contam-se alguns dos mais importantes do país, diversas capitais de distrito e municípios com elevada densidade populacional, representativos de cerca de dois milhões de residentes.

Alguns destes testemunhos tiveram contraditório por parte das Câmaras acossadas. Concretamente, Ponta Delgada, Estarreja e Oeiras, confrontadas com as denúncias, garantiram não recorrer à precariedade, o que originou a sinalização de conflito no nosso sítio na internet.

Infelizmente, em dois casos, justamente em duas Câmaras Municipais da maior importância a nível nacional, esta campanha acabou por constatar o pior: Guimarães e Sintra são Autarquias Com Precários. Dois casos que ficaram conhecidos: em Guimarães, o sr. Presidente António Magalhães mentiu aos Precários Inflexíveis e ao país, uma vez que, depois de ter garantido que não recorria a trabalho precário, foi evidente que muitas trabalhadoras, auxiliares da acção educativa, se encontravam há vários anos em situação precária; em Sintra, a empresa municipal Educa dispensou vergonhosamente trabalhadores que há anos se encontram a falsos recibos verdes, como foi possível provar pela acção desenvolvida pelos Precários Inflexíveis.

No total, a iniciativa Autarquia Sem Precários recolheu informação relativa a 30 municípios, representativos de 22,42% da população residente em Portugal. Também relevante é o facto da informação recolhida ter âmbito nacional: de Norte a Sul do país, incluindo as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, 13 dos 18 distritos do Continente foram abrangidos, incluindo 5 capitais de distrito (Évora, Faro, Guarda, Portalegre e Viana do Castelo) e as capitais das Regiões Autónomas (Funchal e Ponta Delgada).
Como desde o início da campanha, toda a informação está disponível em www.autarquiasemprecarios.info: o sítio na internet que suportou a iniciativa e que se mantém online e que contou com milhares de visitas.

Apresentamos um quadro final, que resume a informação recolhida e aponta todas as responsabilidades futuras: de quem assumiu o compromisso, de quem apenas respondeu com o silêncio, mas também nas autarquias em que ficam as dúvidas ou as certezas de que a precariedade já chegou. Consideramos esta responsabilidade ainda maior depois de serem conhecidos os resultados finais das eleições do passado domingo, que garantiram maiorias absolutas a cerca de 90% dos novos executivos municipais. Perante todas as situações – as conhecemos agora e todas as outras a que estaremos atentos no futuro –, afirmamo-nos solidários com os trabalhadores das autarquias e, como sempre, disponíveis para um combate sem tréguas à precariedade que, não queremos nem podemos ignorar, precisa da mobilização de toda a sociedade portuguesa.

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