Criar um milagre económico para quem precisa | Opinião João Camargo | Jornal Expresso
O jornal Expresso desta semana publicou um texto de opinião de João Camargo da Ass. de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis.
«Após enérgica e longa luta por parte de sindicatos e movimentos de precários durante anos, os estágios não remunerados foram finalmente ilegalizados em 2011. No entanto, como outras medidas aprovadas nos últimos anos, fechou-se a porta e abriu-se a janela, mantendo-se os estágios curriculares e os estágios de acesso a algumas Ordens.
Qual é o mal dos estágios? Mostram que as pessoas são “empreendedoras” e “proactivas”, permitem ganhar experiência, reconhecimento, fazer redes de contactos. Mas não há um reverso? O que leva as pessoas a aceitar trabalhar sem receber? A falta de opções.
Num mercado de trabalho com uma pressão causada por mais de um milhão de pessoas sem emprego e um desemprego oficial de 36,5% entre os jovens, quais são os efeitos da aceitação de “trabalhar para a experiência”? Neste momento de crise os jovens são coagidos a contribuir para a redução dos salários e para o aumento da precariedade e do desemprego, aceitando ser extorquidos em nome de futuras vantagens que estão para chegar há anos. Quem entra actualmente no mercado de trabalho recebe em média menos 11% de salário que no ano passado. Entre os que mantém o seu posto de trabalho, 39,4% viu o salário ser reduzido no último ano, segundo o Boletim de Outono do Banco de Portugal. Uma guerra contra quem trabalha, que faz com que as pessoas fujam mais do país do que quando estávamos em guerra.
Mas qual é o mal dos estágios não remunerados? As pessoas não podiam ganhar experiência, reconhecimento e fazer redes de contactos e, além disso, receberem um salário pelo trabalho que desempenham? Especialmente quando os estágios não remunerados são mesmo estágios fora-da-lei?
A precariedade e o desemprego são o modelo coerente e constante imposto nas últimas décadas. Nesse modelo de sociedade, o estágio é a porta de entrada para jovens que compõe a mescla de desemprego e precariedade dominante na população activa. O estágio é a figura de informalidade laboral e de desresponsabilização das entidades patronais logo à entrada na vida activa, um prelúdio para o que virá. E o que virá já aí está: desemprego, sem direitos ou apoios, abandono, uma vida de exclusão que cada vez mais uniformiza quem trabalha (55,5% de toda a população activa é precária ou está desempregada). Quem lucra com isto? Para algum lado irá o produzido, o pensado, trabalhado, transformado, não se evapora. Engrossa o Coeficiente de Gini que cada vez mais tende para a desigualdade e deixa cada vez mais pessoas para trás, na pobreza.
Pode uma sociedade manter-se assim? E se pensássemos uma espécie de “TSU para os lucros”? E se movimentos de precários e sindicatos iniciassem um debate com a sociedade sobre a necessidade do custo social do desemprego e da precariedade ser pago por quem lucra com esta realidade? E se os lucros das maiores empresas pagassem o apoio de quem está no desemprego? E se a violação do nosso direito colectivo ao Trabalho fosse paga por aqueles que fazem dessa violação o seu modelo de negócio? E se criássemos um milagre económico a sério para quem precisa?»
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