Cronologia legislativa da precariedade na investigação

185372_133117553449327_8220949_nÉ possível registar uma degradação das condições de quem faz investigação de várias formas.

Podemos olhar para a redução do poder de compra dos bolseiros ou para a redução do número de contratos de trabalho na carreira de investigação (aqui).

Podemos também, e é essencial, acompanhar o fio condutor da produção legislativa relevante, pois esta reflecte as relações de força que existem em cada momento e mostra-nos de forma mais clara em que aspectos tem havido um galopante abuso da condição de bolseiro.

Esse conhecimento ajuda-nos na tarefa de exigir, porque não é nada do outro mundo, um contrato de trabalho com todos os direitos.

1980 – Decreto-Lei n.º 415/80: Estabelece a Carreira de Investigação Científica – Estabelece contratos de trabalho para pessoal investigador, para garantir condições compatíveis com a exigência e dignidade das funções exercidas, e abrindo perspectivas concretas de carreira e promoção, para responder ao papel e importância da actividade de investigação e por uma questão de justiça nas situações profissionais no funcionalismo público. Cria 5 categorias: Estagiários de investigação, Assistentes de investigação, Investigador auxiliar, Investigador principal e Investigador-coordenador. A progressão na carreira é condicionada a provas e em caso de reprovação, acesso facilitado a carreira técnica. Subsídio complementar de pelo menos 35% caso o investigador abdicasse de exercer outras actividades remuneradas. Tabela salarial enquadrada na dos funcionários públicos.

1986 – Decreto-Lei n.º 365/86: Cria figura intermédia de Investigador visitante que, fazendo parte dos quadros de uma instituição científica, exerça funções científicas noutra instituição.

1989 – Decreto-Lei n.º 437/89: Cria Estatuto do Bolseiro de Investigação – com o argumento de que tornar atractiva a carreira de investigação era preciso aumentar “crescimento da comunidade científica”, institui-se a bolsa de investigação, com regime de exclusividade total. Nesta altura, criam-se alguns obstáculos para impedir abusos das entidades e precariedade até ao fim da vida. Art 10º – É proibido o recurso a bolseiros de investigação para satisfação de necessidades permanentes dos serviços. Art 11º O período máximo de permanência na situação de bolseiro de investigação é de seis anos, seguidos ou interpolados.

1999 – Decreto-Lei Nº 123/99: Estatuto do Bolseiro de Investigação (2ª versão) – O aumento do número de bolseiros de investigação serve novamente para justificar desregulamentações na relação laboral dos bolseiros. O Estatuto não serve para garantir a exigência e dignidade das funções exercidas (como garante a carreira de investigador, ver 1980 – Decreto-Lei n.º 415/80) mas antes para “dar conjunto mínimo de condições para a prossecução eficaz e responsável dos trabalhos”. Art 1º O período máximo de seis anos deixa de se aplicar à permanência de um indivíduo na situação de bolseiro de investigação mas ao período das próprias bolsas, permitindo a sucessão de bolsas sem fim e a substituição total dos investigadores com contrato. Art 7º Mantêm-se a proibição de recurso a bolseiros para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.

1999 – Decreto-Lei Nº 124/99: Estatuto do Bolseiro de Investigação (3ª versão) – Impede carreira de quem não tenha doutoramento, acaba com categorias de estagiários e assistentes de investigação. Argumento é o de que foram concebidas numa perspectiva de período probatório e de formação, em época de reduzida promoção de doutorados portugueses, mas que agora é muito fácil obter doutoramento. Substituição destas duas categorias por bolseiros é visível, comparando objectivos e deveres.

2004 – Lei Nº 40/2004: Estatuto do Bolseiro de Investigação (4ª versão) – É afrouxado o regime de exclusividade, para permitir docência remunerada, substituindo professores dos quadros das universidades.

2010 – Decreto-Lei n.º 43/2010: Para evitar protestos, a Ministra Dulce Pássaro permite que bolseiros passem a estar abrangidos pela Porta 65 (apoio ao arrendamento jovem), com valor da bolsa a passar a fazer parte do rendimento mensal bruto, como se fosse salário.

2012 Junho – Regulamento n.º 234/2012: Aprova o Regulamento de Bolsas de Investigação da FCT. Fala em “racionalização dos apoios concedidos”, em nome da competitividade. Cria as Bolsas de gestão de ciência e tecnologia (usado na verdade para substituir funcionários administrativos), e bolsas de técnico de investigação (usado na verdade para substituir pessoal técnico). São feitos graves cortes na mobilidade: A permanência no estrangeiro, antes concedida por um período máximo de 3 meses por ano em bolsas no país ou mistas passa a ser de apenas 3 meses na duração total da bolsa. A permanência no estrangeiro no caso de bolsas de doutoramento mistas fica limitada a um período máximo de 2 anos em toda a bolsa, em vez de 9 meses por ano. Corte no valor do pagamento da propina no estrangeiro, de €12.500 para €5.000.

2012 Agosto – Decreto-Lei Nº 202/2012: Estatuto do Bolseiro de Investigação (5ª versão) – Na primeira alteração ao Estatuto na era do Memorando da Troika, é restringida a docência apenas a bolseiros de pós-doutoramento dentro do regime de exclusividade, o que deu origem a grande polémica (ver Decreto-Lei Nº 233/2012). Para além disso, em situação de paternidade, adopção, assistência a menores doentes, assistência a deficientes, assistência a filhos ou assistência à família, a entidade financiadora já não tem manter o pagamento da bolsa; Criado o Provedor do Bolseiro.

2012 Outubro – Decreto-Lei Nº 233/2012: Adia, para o ano lectivo 2013-2014, a restrição à docência dentro do regime de exclusividade imposta pelo Decreto-Lei Nº 202/2012, porque os bolseiros, sem dinheiro, precisavam destas aulas para aumentar um pouco o seu rendimento, e porque as universidades já dependem desta mão-de-obra barata e qualificada para leccionar os seus cursos superiores (aqui).

2013 Janeiro – Lei Nº 12/2013: Estatuto do Bolseiro de Investigação (6ª versão) – as falsas declarações dos orientadores já não levam ao fim da bolsa mas ao fim da sua supervisão.

O Conselho de Ministros de 16 de Maio aprovou já uma alteração do Estatuto do Bolseiro de Investigação (aqui) para que o regime de exclusividade permita a docência de qualquer bolseiro.

E o novo Regulamento de Bolsas de Investigação da FCT já está em consulta pública (aqui)

E agora?

A partir daqui depende de nós, da nossa vontade de nos fazermos ouvir por um investimento na investigação que respeite quem a faz.

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