Desemprego é responsável por 9 vezes mais suicídios do que se pensava: Portugal é o mais afetado
Se é verdade que Durkheim defendia que cada vítima de suicídio expressava o seu próprio temperamento e que não podíamos explicar as suas condicionantes pelas causas sociais do fenómeno do suicídio, também é verdade que ele mesmo defendia que mesmo num ato tão pessoal como o suicídio se conseguiam encontrar razões sociais.
Um artigo publicado na The Lancet Psychiatry conclui que o desemprego, mesmo antes da crise, provoca 9 vezes mais suicídios suicídios do que o que se pensava. 45 mil mortes por ano, em 63 países. Repare-se que a estatística é muito exigente, pois se oficialmente no mundo o total de suicídios por ano ronde os 230 mil, a Organização Mundial da Saúde estima que na verdade sejam mais de 800 mil.
O investigador Carlos Nordt, entrevistado pelo Público, diz “que Portugal foi o mais afectado em termos de suicídios ligados ao desemprego”.
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Felizmente que surge um estudo para analisar a relação suicidio-desemprego, quando houve por aí boatos que tentavam desligar o suicidio do desemprego, quando a realidade é bem pior do que se pensava. E está a acontecer, e o que eu vou contar será certamente transversal a muitas pessoas analisadas nesse estudo: Tudo começou há varios anos atrás, quando era uma jovem activa e curiosa, com montes de interesses culturais e pessoais, e comecei a ser confrontada com uma mistura fatal de uma desgraça anunciada: o medo de não haver possibilidade de passagem aos quadros da empresa, misturado com o avistar de uma crise que se anunciava muito pior do que já estava a ser, e um curso superior a decorrer. Mas não desisti. Continuei, tal como muitos de vós, a lutar. Mas o pior aconteceu, apesar de todos os meus enormes esforços para contornar.
Apesar das tolas e inocentes mensagens do senso comum, no geral proferidas por quem tinha profissões estáveis, “Maria vais conseguir!”, “Força, vais ver que arranjas outra coisa”, etc, as coisas mudaram. E eu tenho hoje essa percepção mais clara que muitos desses “motivadores”, do verdadeiro poder arrasador que a crise e os seus autores tem sobre mim e gente como eu. Estudamos e trabalhamos, mas o nosso poder para mudar a vida não é nenhum. Só somos algo se nos deixarem ser. “vencer” “ultrapassar obstaculos” – tudo falso, a ludibriar as pessoas para caso nao consigam sentirem-se culpadas. Eu sei que quem falhou foi o governo e o sistema e não possuo a minha vida. Esta sensação de desamparo tornou-se uma prisão brutal e esmagadora – porque eu tenho a noção da total ausência de poder.
Hoje, fechada em casa, sem resposta, passam os dias, os meses os anos e para além de trabalhos ocasionais, sem continuidade, nada. Cada carta de motivação e cada curriculo enviado, que outrora seriam valorizados, são agora dolorosamente um acto de “bater com a cabeça na parede” uma sensação de vazio de inutilidade de não ser nada. A resposta nunca chega. A aprendizagem e a experiencia anterior esbatem-se na poeira de cada dia, e as forças que ainda me sustentaram, foram esbatidas e espancadas como as rochas na maré alta que se acabam por degradar com o bater das ondas e o passar do tempo. Nem as rochas aguentam uma tempestade para sempre. Os anos passam. A força acaba-se perante um vazio onde o “vale a pena viver” deixa de fazer sentido porque viver em sofrimento não vale a pena. Sem futuro, sem esperança, cansada, dorida, a envelhecer e a não viver verdadeiramente, longe da jovem activa e saudavel que fui, a depressão foi-se instalando até a pontos que eu julgava impossiveis, verdadeiramente insuportaveis, viver dói, e a ideia de morte torna-se atractiva, a ideia de descansar de tudo isto. De parar com tudo isto. De não deixar que o governo corrupto e malvado e o sistema me escravizem e humilhem mais. Acabar com tudo de vez. Esta é a minha confissão e a de muitos outros. Pessoas como eu e outros que há anos eram pessoas energicas, activas, dinamicas, foram atraiçoados por uma crise imposta e a pagar o que não devemos, é uma mutilação interior constante, e enquanto isto o tempo passa. A luta cansa, destrói. Nem os soldados lutam para sempre. Sim, os nossos melhores anos passam, a situação torna-se insuportavel, e as coisas chegam a um ponto em que o humano, na sua real natureza, atinge um ponto de ruptura. E a morte torna-se desejada como fuga, em pessoas que há apenas uns anos jamais pensariam em suicidio. Conheço pessoalmente quem considere o suicidio, pelo menos 3 pessoas, conheço quem o tenha tentado, e conheci quem o ano passado escolheu por um termo á vida. Pessoas que há apenas alguns anos tinham projectos normais de vida, trabalho, viver. realizar alguns sonhos, o normal. Hoje sofrem depressões, incluindo eu. Há danos que já serão permanentes mesmo naqueles que remotamente consigam arranjar trabalho. O medo, a dor do desemprego e quanto mais longo pior – estará lá, como trauma. E tudo isto devido ao desemprego e precariedade, a este massacre silencioso mas devastador.