Governo apresenta medidas de combate à precariedade, mas deixa questões essenciais em aberto

A intenção foi sendo noticiada ao longo dos últimos dias: mais de dois anos após o compromisso estabelecido para viabilizar o actual ciclo político, o Governo avançou finalmente com o anúncio das medidas de combate à precariedade, com destaque para a alteração das regras dos contratos a prazo. Este é um aspecto essencial para um avanço mínimo no combate à precariedade no seu conjunto, depois de ter sido concretizado o aprofundamento da lei contra a precariedade. No entanto, é ainda muito pouco claro o que propõe o Governo para combater o abuso do trabalho temporário e muitas outras questões essenciais ficam por esclarecer. As propostas para alterações à legislação laboral foram apresentadas esta sexta-feira na Concertação Social e, sem surpresa, mereceram a oposição frontal dos patrões.

Embora a proposta do Governo não seja conhecida em detalhe, alguns traços essenciais foram divulgados, com largo destaque para as mudanças nas regras dos contratos a prazo. Os contratos a termo certo passam a ter como a duração máxima de 2 anos (actualmente são 3 anos) e os contratos a termo incerto passam a ter a duração máxima de 4 anos (actualmente são 6 anos). Além disso, nos contratos a termo certo, embora se mantenha o máximo de 3 renovações, a duração dessas renovações não podem exceder a duração do contrato inicial. São ainda eliminadas algumas excepções que actualmente permitem a contratação a termo sem qualquer justificação (como no caso da instalação de novas empresas ou dos jovens à procura do primeiro emprego). E é também eliminada a obscena regra que actualmente permite que a contratação colectiva ultrapasse as regras e se decida a contratação a prazo, sem razões e mesmo que seja para funções permanentes.

Por outro lado, conforme era compromisso do Governo e foi incluído no seu programa, foi agora finalmente apresentada a proposta para penalizar o recurso excessivo à contratação a termo. O Governo opta por introduzir uma taxa adicional a estas empresas, que poderá ser de 1% a 2%, a partir de um limiar de recurso a contratos a termo variável consoante os sectores de actividade. Ainda não são conhecidos os detalhes da intenção do Governo, mas a verdade é que é essencial desincentivar a contratação a prazo, que não pode ser a uma simples decisão empresarial e à margem da lei. E, não menos importante, impedir que se mantenha a desresponsabilização das empresas e a pressão da Segurança Social, que tem de responder à necessidade de protecção social que resulta da imposição da precariedade. Aguardaremos pela medida concreta, esperando que se dirija com eficácia a estes objectivos.

Fica ainda uma grande interrogação sobre o que pretende o Governo fazer relativamente ao trabalho temporário, uma das estratégias mais fortes de precarização e onde o abuso é a norma. Recordamos que, há cerca de um ano e meio, foi anunciado que seriam finalmente introduzidos limites à renovação deste tipo de contratos, com a perspectiva de equiparar às regras do contrato a prazo (máximo de 3 renovações). A par do abuso total nas razões para celebrar os contratos, esta possibilidade de chantagem permanente é a base do negócio do trabalho temporário, que permite às empresas impôr a sucessão de contratos mensais, semanais ou até mesmo diários. O Governo anuncia agora que vai reforçar a prestação de informação ao trabalhador sobre as razões da celebração deste tipo de contrato; e que pretende introduzir limitações às renovações, mas sem esclarecer mais importante: qual o número e quais as regras. É ainda um quadro muito indefinido e, por isso, pouco promissor. As alterações nas regras do trabalho temporário são essenciais para avaliar um verdadeiro avanço no combate à precariedade.

Outras medidas anunciadas e que interessam aos precários são o reforço da protecção social nas situações de precariedade, nomeadamente através da redução do prazo de garantia para aceder ao subsídio social de desemprego (que passará para 4 meses de descontos) e a clarificação de que há sempre lugar à indemnização do trabalhador por caducidade dos contratos a termo.

O pacote de medidas do Governo inclui ainda outras questões relevantes e que faziam também já parte do compromisso assumido: o fim do banco de horas individual, uma medida indigna e que dá todo o poder aos patrões; algumas alterações nas regras da contratação colectiva, que, em qualquer caso, mantêm a caducidade dos contratos e o poder do lado patronal; e um reforço real da capacidade inspectiva, garantindo que a Autoridade para as Condições do Trabalho conta permanentemente com um quadro de inspectores que respeita as regras.

Esperamos que o Governo divulgue rapidamente as propostas concretas e que avance a concretização de medidas sérias e profundas. O início de um verdadeiro combate à precariedade é um compromisso e uma urgência, que responsabiliza o Governo e determina a apreciação sobre a sua acção.

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