Intermitências da precariedade em França | Opinião Carla Prino no P3

carlaprinoTexto de Carla Prino • 22/07/2014 – publicado no P3

A 68ª edição do Festival de Avignon, em França, tem sido palco de várias manifestações, ocupações e greves do movimento dos profissionais do espectáculo, conhecidos como intermitentes. Estas pessoas trabalham num regime específico de intermitência que lhes é atribuído por Lei, e reagiram desta forma contra a intenção por parte do governo francês de ratificar um acordo que não é mais que um atentado à dignidade destes trabalhadores. O infeliz acordo laboral, apresentado pelo MEDEF (Mouvement des entreprises de France) e justificado com base no déficit estatal, representa uma regressão dos direitos sociais dos Intermitentes, ao restringir-lhes o acesso àquele que é um direito urgente e fundamental nos tempos que correm: direito ao subsídio de desemprego nos períodos em que não há trabalho.

Em causa está a mudança no número de horas mínimas para aceder ao subsídio. O critério anterior eram 507 horas trabalhadas em 12 meses e se o acordo não for travado, passará a 507 horas em 10 meses, o que exclui cerca de 10% das pessoas que trabalham no sector das artes e espectáculos. Esta alteração implica que o esforço do trabalhador aumente para que consiga atingir as horas mínimas exigidas que lhe garantem o direito a ter dinheiro para sobreviver quando o trabalho faltar. A questão agrava-se quando se verifica que muitas das entidades empregadoras não contabilizam as horas de ensaio, como se cada espectáculo ou actuação fosse alvo de criação espontânea dos trabalhadores, esquecendo e menosprezando todo o trabalho feito além das luzes do espectáculo. Um regime laboral perverso que provoca abusos, colocando nas mãos das entidades empregadoras o poder de decisão sobre o direito de acesso à prestação social por situação de desemprego.

Trata-se de mais uma forma de desvalorizar o trabalho dos que arduamente contribuem para que a Cultura viva e seja acessível a todos. Perpetua-se a precariedade e empurram-se profissionais para o abismo da exclusão social. E por isso a Coordenação Nacional dos Intermitentes e dos Precários enquadra publicamente a sua luta num âmbito que ultrapassa apenas os intermitentes, mas que diz respeito a todas as pessoas que trabalham, em particular os mais precários. Os intermitentes declararam guerra à austeridade e apoiam todos os combates contra a mesma.

Existe uma vontade de dizimar os Direitos Sociais como os conhecemos ou de, pelo menos, torná-los direitos intermitentes: umas vezes existimos e temos direitos, outras vezes, nem por isso. Esta tendência europeia para precarizar regimes laborais, não serve mais do que para continuar a desconstruir – ou até destruir – o Estado Social.

Vidas intermitentes, precárias e precários permanentes. A precariedade está aí e parece querer conquistar a Europa. Respondemos-lhe?

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