Multimilionário português contra o direito à greve no pós-troika
A 458ª fortuna do mundo, com 3 mil milhões de euros, o multimilionário Alexandre Soares dos Santos, veio ontem defender publicamente que o direito à greve deve ser restringido no pós-troika. Em entrevistas, o homem que fez fortuna na precariedade e nos baixos salários pagos às centenas de milhares de funcionários dos grupos de distribuição Pingo Doce e Biedronka, da Jerónimo Martins, defende que a greve não pode ser um direito no pós-troika, apostando mais uma vez na oposição entre funcionários públicos e privados, para revelar o seu ataque à sindicalização e organização dos trabalhadores.
Terça-feira foi dia de multimilionário. Soares dos Santos deu entrevistas ao Diário de Notícias e à Rádio Renascença, concluindo não acreditar no poder das revoluções e pedindo um recuo em relação ao 25 de Abril de 1974. Depois prosseguiu na explicação de como seria o mundo segundo Soares dos Santos.
O pós-troika de Soares dos Santos é paradoxal: um homem que erigiu a sua fortuna sobre os baixos salários em Portugal e fora, que enriqueceu ainda mais enquanto o país empobrecia generalizadamente com o seu aval, defendeu que não se deviam cortar as pensões, propôs um aumento da taxação da gasolina e defendeu que o país não pode ter como regra os baixos salários. O 2º homem mais rico do país, que recebeu em 2013 benefícios fiscais de 86,1 milhões de euros, cujo grupo económico foi deslocalizado para a Holanda para não pagar impostos, e que engorda à custa dos baixos salários dos seus trabalhadores, diz que a sua estratégia de vida e de negócios não é um modelo de desenvolvimento para o país. E não é. Alexandre Soares dos Santos é o exemplo acabado do “façam o que eu digo, não façam o que eu faço”
A entrevista de Soares dos Santos à RR é esclarecedora sobre a perspectiva da liderança empresarial do país para o seu futuro: um país em que as escolas se voltam para a especialização, com as empresas, como a Jerónimo Martins, a participarem directamente na formação dos alunos, escolhendo-os directamente nas faculdades. É uma perspectiva liberal extrema em que é dada toda a liberdade para as empresas e nenhuma liberdade para quem forma e para quem trabalha. As faculdades tornar-se-iam assim empresas de recrutamento directamente patrocinadas e moldadas pelos grupos económicos.
Soares dos Santos, também presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, think thank liberal-conservador patrocinado pelos lucros da Jerónimo Martins e que distribui pequenos livros de propaganda ideológica nos supermercados do grupo, continuou a sua exposição, defendo para o pós-troika uma revisão constitucional que altere o direito à greve, restringindo-o a uma pequena série de circunstâncias, como forma de protesto inconsequente e controlável até pelas entidades patronais. Defendeu ainda que as leis propostas pelos governos devem ser discutidas com o Tribunal Constitucional para terem uma espécie de visto prévio de constitucionalidade, como se as leis da República não tivessem que ser constitucionais à partida. O facto de termos um governo fora-da-lei não preocupa o multimilionário, que ataca em vez disso os políticos em geral, concluindo que “Está por cumprir o sonho de Abril: falta-nos liberdade”. A liberdade de Soares dos Santos é clara: entre o patrão e o trabalhador, é a liberdade que oprime e a lei que liberta. E por isso, sentado sobre a sua fortuna, Soares dos Santos tenta virar a liberdade de pernas para o ar, e reclamar que o 25 de Abril se fez para que houvesse liberdade total de circulação de capitais e factores de produção (querendo obviamente colocar os trabalhadores dentro dessa categoria económica).
“Temos de aprender a viver com aquilo que criamos”. Bom conselho. Os 3 mil milhões de euros de fortuna pessoal de Alexandre Soares dos Santos não foram criados por si, mas sim pelos milhares de precários que diariamente produzem, conduzem, vendem e trocam as mercadorias que são vendidas nas suas superfícies comerciais. A política de Soares dos Santos é como as suas contas: de merceeiro.
by