Opinião :: Mudança na continuidade

O texto de acordo de governo entre PSD e CDS/PP, intitula-se “Maioria para a Mudança”. Ora se as coisas vão mudar, cabe-nos a nós tentar perceber onde, quando e como. Lendo o texto vejo a palavra repetida mais algumas vezes e até vejo que a bandeira nacional encabeça todas as cinco páginas do acordo, mas de verdadeira mudança não encontro nada. Encontro continuidade. Leio que vamos continuar a “vender” o país sem grande critério, apenas porque é preciso fazer dinheiro para pagar as dívidas, leio que o remédio para a doença que o país tem será dado pelos mesmos que nos infectaram com essa doença. Escrevo país com um “p” minúsculo porque é assim que ele está, pequenino, com medo de levar mais bofetadas dos “mercados”.

Foquemo-nos agora em dois aspectos, a justiça e a Segurança Social. Relativamente à primeira, é dito que se quer “reformar a justiça, tendo em vista a obtenção de decisões mais rápidas e com qualidade”. Ora aqui está a mudança e uma mudança realmente necessária, mas depois lembro-me que já no tempo em que António Guterres era primeiro-ministro, PS e PSD celebraram um acordo inviolável para reformar a justiça. À primeira chance esse acordo foi quebrado, portanto continuamos a necessitar que essa reforma seja feita, nada de novo, nada de mudança.
Diz este acordo que quer “garantir o Estado Social” defendendo “nomeadamente os pensionistas com pensões mais degradadas”. Mais abaixo, é dito que se quer reformar a “Segurança Social, garantindo a sua sustentabilidade, a solidariedade inter-geracional e a progressiva liberdade de escolha, nomeadamente dos mais jovens.” A liberdade de escolha que estes jovens vão ter é a de não deixarem que PSD e CDS/PP cumpram este acordo. Não fazendo descontos para a Segurança Social, a solidariedade inter-geracional não será cumprida impossibilitando que as pensões mais degradadas sejam defendidas. Portanto, este é outro ponto em que a mudança se deve ler continuidade. A verdadeira reforma que se pretende fazer na Segurança Social é descapitalizá-la de vez para que também ela possa ser “vendida” a preço de saldo.
A única mudança presente neste acordo, é a única que não interessa, é a mudança de método. Todas as medidas que o governo de José Sócrates não teve coragem de tomar, mesmo de forma encaputada, serão agora postas em prática às claras pelo governo desta “Maioria para a Mudança”.
Quero ainda relevar que há uma “preocupação central com a pessoa humana” neste acordo. Encontro aqui um conflito de interesses entre o nosso próximo governo e os “mercados”, pois quer-me parecer que nos “mercados” as pessoas não são tratadas como humanas, e chego mesmo a pôr em causa se o serão como pessoas.
Por agora resta-me esperar algum tempo até ver a máquina a funcionar e dizer que o meu silêncio está pronto para se transformar em grito. Apelo ao resto das pessoas humanas que façam o mesmo.
André Albuquerque
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