Programa de Governo e combate à precariedade | 5. Reconhecer o trabalho por plataformas e combater a exploração digital

Os efeitos sociais da economia paralela escondida atrás de plataformas digitais são tão incontornáveis que o Governo decidiu dar um sinal de preocupação ao criar funções ministeriais e a Secretaria de Estado para a Transição Digital. Contudo, e à semelhança do que diz no programa, sintética e vagamente, sobre as questões laborais e o combate à precariedade, deixa apenas intenções pouco concretas, revelando o seu compromisso mínimo na resolução do enorme problema social associado ao vazio laboral a que estão sujeitas cada vez mais pessoas.

O trabalho que é feito através de plataformas ou que resulta da emergência de novas actividades relacionadas, por exemplo, com o sector turístico, está hoje à margem das leis laborais. Como aprofundamos no nosso Programa de combate à Precariedade (Eixo 7), de Setembro de 2019, estes tipos de trabalho são uma fraude onde quem trabalha é considerado “cliente” e o empregador é considerado um intermediário entre o “cliente” e uma terceira pessoa utilizadora do serviço. É uma forma de gerar lucro sem qualquer risco, à custa do trabalho ultra-precário e de passar uma borracha sobre as conquistas do movimento do trabalho ao longo da história.

No Programa de Governo (pág. 192-194), é referido que “a necessidade de responder a realidades como o trabalho em plataformas digitais ou a economia colaborativa obriga a revisitar os princípios do nosso modelo de regulação laboral e de bem-estar social, garantindo o equilíbrio das responsabilidades e riscos, a efetividade da proteção social, a proteção contra despedimento arbitrário, o acesso pleno a formação profissional contínua e a condições adequadas de segurança e saúde no trabalho”, bem como a necessidade de definir “o regime de acesso destes trabalhadores às estruturas de representação colectiva, ao salário mínimo nacional e à protecção consagrada pela legislação laboral”. Apesar de concretizar pouco e não avançar muito mais do que a necessidade de “preparar a mudança” (expressão que aparece repetida no texto), sublinhamos duas intenções que vão no sentido das preocupações levantadas no Programa de Combate à Precariedade (Eixo 7):

– equiparar as condições laborais destas e destes trabalhadores ao restante da classe trabalhadora, ou seja, assegurar que estas relações são mediadas através de um contrato de trabalho, como aliás já está a acontecer noutros países do mundo;
– garantir o acesso à representação colectiva, isto é, permitir que estas pessoas possam fazer parte de sindicatos, comissões de trabalhadores ou associações profissionais, contrariando a pulverização característica deste tipo de actividades, pulverização esta que beneficia o exercício da fraude.

O Governo acrescenta ainda, no seu programa de legislatura, a intenção de elaborar um Livro Verde do Futuro do Trabalho. Este tipo de documentos têm tido um papel importante, não só para conhecer a realidade, como também para fazer escolhas políticas no campo do trabalho. Não pode, no entanto, esta intenção sobrepor-se à necessidade de enquadrar na legislação laboral os e as trabalhadoras que estão sujeitos às novas formas radicais de exploração. Os anos de falta de enquadramento, de precariedade extrema, de fuga das empresas à sua responsabilidade perante a sociedade, não podem continuar a suspender milhares de vidas. Não podemos deixar que a impunidade e os lucros destes sectores de actividade se sobreponham ao acordo social estabelecido para equilibrar a relação de forças.

Em síntese, assinalamos o destaque dado às “novas formas de trabalho” e a orientação para reconhecer e enquadrar na legislação laboral as relações que se têm estabelecido sem regras. Não podemos, no entanto, abster-nos de deixar o sinal de preocupação com a falta de sentido de urgência e com a falta de concretização de soluções, que caracteriza aliás todo o Programa de Governo, nomeadamente no que diz respeito ao combate à precariedade.

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