Que surpresas trará o FMI nas suas férias europeias? (parte 1)

Anuncia-se a chegada do Fundo Monetário Internacional a Portugal. Uns regozijam-se com isso, outros temem-no. É tudo uma questão de memória. As memórias curtas (ou inexistentes) acreditam na luz ao fundo do túnel – o FMI realizará as “necessárias” alterações estruturais à economia do país e pô-lo-á novamente na rota do sucesso económico e da convergência europeia. Quaisquer possuidores de memória de médio prazo recordar-se-ão dos resultados da acção do FMI por todo o mundo, em particular no “Terceiro”, que nada deixaram além da regressão económica, o desemprego em massa, o pouco emprego sem direitos, a destruição dos poucos serviços prestados pelos estados. Os motins em Maputo no ano passado são apenas dos últimos frequentemente despoletados pelas medidas restruturantes do FMI. A memória de médio prazo permitirá ainda relembrar o feliz episódio de 2001 em que o povo argentino obrigou o FMI a retirar-se do seu país  após as restruturações terem virtualmente destruído a sua economia – com uma fórmula muito simples: receberiam um terço do devido, ou nada. Escusado será dizer que não saiu com as mãos a abanar, mas pelo menos o rabo foi entre as pernas.
Sob múltiplos pretextos o FMI, outrora à beira do colapso devido à ignomínia da sua acção sob os países mais pobres do mundo, chegou à porta da Europa. Grécia e Irlanda, já caíram sob a alçada deste inquisidor financeiro, cuja capacidade punitiva não conhece limites, e estende-se muito além das esferas financeiras. Ao Fundo Monetário Internacional juntaram-se países europeus e os recém-criados fundos de estabilidade financeira da União Europeia para “emprestar” dinheiro num pacote de “salvamento” dos países – de respectivamente 110 mil milhões de euros para a Grécia e 85 mil milhões de euros à Irlanda.
Apesar dos sistemas bancários terem sido inequivocamente identificados como os causadores dos problemas das dívidas públicas dos países europeus, é para a sua recapitalização que os pacotes de “salvamento” se destinam na sua maioria. Simultaneamente foram introduzidas as medidas típicas do FMI, e que são a principal razão para o “salvamento”, apesar de todos os subterfúgios utilizados para justificar (o corte nas despesas públicas, a flexibilização do mercado laboral, o excesso de benefícios sociais, entre outros).
Um breve sumário das medidas empregues na Grécia e na Irlanda será um vislumbre do que poderá ocorrer em Portugal no caso do FMI ser chamado pelo governo “socialista” para “endireitar” as contas públicas.
Palco Europeu: 1º Acto
À Grécia, que a 10 de Maio de 2010 recebeu 110 mil milhões de euros (30 do FMI, o restante de vários países europeus, destacando-se a Alemanha com 28), será cobrada uma taxa de juro média de 5,2% ao ano, pelo que os caridosos credores lucrarão próximo de 22,9 mil milhões de euros com o “salvamento”. Para salvar a Grécia, foram implementadas medidas de cortes da despesa do sector público, aumento de impostos, privatizações e alterações às pensões de reforma. O governo “socialista” de Papandreou já havia havia aquecido a cama com medidas de austeridade anteriores.
No sector público, houve um congelamento dos aumentos dos salários até 2014, os 13º e 14º mês foram abolidos para todos que recebiam acima de 3000 euros, sendo reduzidos a 1000€ no total para todos aqueles que ganhavam menos (estas medidas já haviam sido implementadas em Março de 2010). Os salários foram cortados em 8% (já haviam sido cortados em 12% em Março, o que perfaz um corte de 20%).
O IVA foi aumentado em 2 pontos percentuais para 23% (havia sido subido de 19 para 21% em Março). Os impostos sobre combustíveis, cigarros e álcool foram aumentados em 10%. Ganhos adicionais são esperados através de impostos sobre empresas de apostas e jogos, assim como impostos sobre propriedade e impostos ecológicos.
Quanto à contratação, o governo reformou leis laborais que proibiam o despedimento de mais de 2% da força de trabalho de uma empresa cada mês, assim como reduziu e em muitos casos visou terminar as indemnizações em caso de despedimento. Um novo salário mínimo foi introduzido, destinado aos jovens e aos desempregados de longo-prazo.
A idade de reforma, antes situada nos 65 anos para os homens e 60 para mulheres, foi indexada à esperança média de vida e consequentemente aumentada. O período de contribuição mínima para que houvesse direito à reforma completa foi aumentado dos 37 anos prevendo-se que chegue aos 40 em 2015. As reformas antecipadas foram reduzidas, havendo ainda um banimento de reformas antes dos 60 anos. O valor das pensões de reforma será reduzido, de modo a reflectir a média de vencimentos do pensionista de toda a sua vida contributiva e não só dos últimos anos de vencimento salarial.
Os mercados de energia e transporte serão liberalizados.
Finalmente a nível bancário, o governo estendeu a assistência aos bancos, injectando 17 mil milhões de euros no sector e introduzindo em conjunto com a UE e o BCE um Fundo de Estabilidade Financeira destinado a fornecer apoio financeiro aos bancos em necessidade, que já funcionou
no caso da Irlanda.
(continua amanhã)
JC
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