Ruy Braga: «Vivemos o momento da rebelião do precariado global»
O sociólogo brasileiro Ruy Braga esteve em Portugal para apresentar um ciclo de conferências “Cidades rebeldes: as manifestações de junho no Brasil e o espectro do precariado”.
Os Precários entrevistaram este investigador que nos fala de um momento de rebelião do precariado global e que assume as capilaridades entre as lutas no Brasil e as mega-manifestações em Portugal. E deixa um aviso: os grandes protagonistas desta nova agenda político social são os jovens trabalhadores precários. (ver vídeo aqui)
Deixamos aqui a transcrição da entrevista vídeo:
«Eu tenho afirmado no Brasil que existe, tendo em vista evidentemente o processo de aprofundamento da crise económica em escala global, e evidentemente a economia brasileira, e a escala brasileira fazem parte desse processo também, o ritmo é um pouco diferente, porém também faz parte desse processo, desse mesmo movimento de crise.
Os ritmos do movimento social, os ritmos da estrutura económica, os ritmos da própria dinâmica política, no caso da sociedade brasileira, eles tendem, estão-se aproximando daqueles ritmos mais maduros e mais… críticos, digamos assim, da Europa do Sul.
Provavelmente o exemplo mais claro dessa sincronicidade de ritmos políticos, relacionados com a economia, se dê por exemplo, com as grandes manifestações que ocorreram em Portugal.A começar em 2011 e a se acelerar, e a politização que aconteceu a partir do 15 de setembro de 2012, e tudo aquilo que acontece a partir de então, com massivas manifestações nas ruas no país todo. Porque a escala nacional é importante, é o indício mais claro de que algo não vai bem com a própria sociedade, e não com algum sector isolado, ou com algum tipo de grupo social. É a própria sociedade que não vai bem.
E aquilo que tem acontecido no Brasil a partir de junho de 2013, existe um gap no tempo, mas o facto é que eu consigo perceber uma dinâmica mais ou menos comum, com as suas particularidades, mas uma dinâmica mais ou menos comum entre o caso brasileiro das jornadas de junho e o caso aqui das grandes manifestações do Que se Lixe a Troika!, em termos de uma nova agência política e social, com todos os seus conflitos e contradições.
Uma nova agência político social, cujos grandes protagonistas são os jovens trabalhadores em condições precárias, que efetivamente percebem que o atual modelo de desenvolvimento, quer seja em Portugal, quer seja no Brasil, não pode oferecer um futuro digno para essa camada enorme da população. E essa aproximação, ela tem uma fonte mais ou menos comum, que vai continuar se reproduzindo num futuro imediato, num futuro próximo, que é exatamente a crise económica. Ou seja, o processo de precarização, quer seja contratual, quer seja das próprias condições de trabalho, que atinge maioritariamente, principalmente a juventude que entra no mercado de trabalho, que tem uma trajetória escolar superior aos seus pais, que tem expectativas superiores em relação ao futuro, e que vê essas expectativas sistematicamente frustradas pelas condições do mercado de trabalho, e pelas condições que encontram nas empresas. Isso sem dúvida nenhuma nos coloca num diapasão muito próximo.
O ritmo político brasileiro, a despeito das peculiaridades da sociedade brasileira, que é uma sociedade onde a crise acontece com mais radicalidade, normalmente, o Brasil é um país que vive de explosões sociais em explosões sociais, não é evidentemente o caso de Portugal, existe uma particularidade portuguesa que não é a mesma da brasileira, mas essa agência , esse tipo de acção colectiva que tem como protagonista os sectores mais jovens de trabalhadores e de trabalhadoras, que têm enfrentado condições muito precárias de contratação e de condições de trabalho. Essa agência, ela tende a nos aproximar.
Eu acho que é isso o que torna o meu olhar sobre a relação entre Brasil e Portugal um olhar mais optimista no sentido em que é preciso construir pontes entre a juventude brasileira e a juventude portuguesa porque, no fundamental, nós enfrentamos desafios que são muito parecidos. E nesse sentido, esse olhar é positivo não porque eu estou a tentar dourar a pílula de alguma maneira, porque eu estou a tentar ver uma realidade que não existe, mas porque consigo identificar desafios comuns e com um tipo de acção colectiva que eventualmente pode enfrentar e pode superar esses desafios, tanto aqui em Portugal como lá no Brasil.
Vivemos o momento da rebelião do precariado global, e é desta rebelião que dependerá o futuro dos movimentos sociais em escala internacional nos próximos anos. Esse é o desafio que temos pela frente, os sectores progressistas, os sectores de esquerda, os sindicatos, esse é o grande desafio que temos pela frente. Acredito que quanto mais contactos, quando mais vínculos, conexões e pontes nós consigamos estabelecer entre Brasil e Portugal, entre a juventude brasileira e a juventude portuguesa, melhor, tanto para o Brasil, quando para Portugal.»
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