Sabotar o futuro | Opinião João Camargo no P3
Texto de João Camargo • 14/08/2014 – publicado no P3
Quando os números do INE na sua publicação do dia Internacional da Juventude indicam a perda de 500 mil jovens entre 2001 e 2011, podemos confirmar que o objectivo da precarização e da massificação do desemprego, levado a cabo pelos últimos governos, está mais perto de ser garantido: o futuro do país está em causa porque o único bem e o único valor irrecuperável são as pessoas. Essas, que os governantes tanto se esforçaram por expulsar do país. Desde que há registos, nunca houve tão poucos jovens entre os 15 e os 29 anos no país.
Se se adicionarem os 101 mil exilados de 2011, os 121 mil de 2012 e os 128 mil em 2013, constatamos que a perspectiva de precarizar o trabalho tem como consequência primeira a destruição do futuro. Não é um efeito colateral ou uma tendência inesperada, mas sim uma estratégia trágica por parte da elite económica e política que comandou o país nas últimas décadas.
Em Janeiro João César das Neves, um apóstolo fervoroso dos sabotadores do país elogiava a emigração, reclamando a vitória que esta significava porque reduzia os números do desemprego. Esta dica é aproveitada pelos sabotadores, em particular no actual governo, especialista na manipulação despudorada de estatísticas parciais. As mais recentes estatísticas do emprego, que implicariam uma “queda” no desemprego, foram aplaudidas por Pedro Mota Soares ou Marco António Costa como uma vitória. Os factos nada interessam para quem manipula números. O facto de a subida sazonal do emprego temporário na Primavera e no Verão serem sempre uma verdade não conta. É emprego estável criado: repetem, repetem, repetem. A realidade é um pequeno detalhe, e sempre adverso a quem sabota o país como forma de vida.
Nunca foram inocentes as declarações dos governantes a pedir aos jovens que emigrassem: o secretário de Estado da Juventude dizia no Brasil que “se estamos no desemprego, temos de sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras ”. Miguel Relvas defendia as declarações, considerando a emigração como algo de “extraordinariamente positivo”. Passos Coelho confirmaria a proposta governamental de acrescentar ao menu de precariedade e desemprego a aposta no exílio. Escudando-se na teoria ultraliberal de que o mercado de trabalho tem vontade própria e de que a única solução é aceitar os mandos desse deus pagão, os governantes comportam-se como padres evangelizadores, jamais pondo sequer em causa o dogma de que as opções políticas são escolhas conscientes e que, portanto, eles escolheram activamente sabotar o país, apostando na destruição das vidas dos seus habitantes.
Se o objectivo era destruir o país, era necessário livrar-se dos mais jovens, aqueles com o maior potencial para mudar o país, para enterrar as políticas de austeridade e precarização e forçar a emergência de alternativas ao massacre escolhido para pagar a crise da banca. É por isso que hoje se apresentam de sorriso em riste, a banhos na Manta Rota enquanto deixaram o país na bancarrota. Comprazem-se com o resultado da sua governação. Olham para o futuro que sabotaram e pensam: missão cumprida. Mas terão algumas surpresas. É que, ao contrário das emigrações de outros tempos, das centenas de milhares de exilados dos últimos anos, muitos voltarão. Para refazer aquilo que essa gente tanto se esforçou por destruir.
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